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quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Perguntar não ofende. Quem poderá responder? (Jorge Hessen)


Jorge Hessen
Jorgehessen@gmail.com 

Por que a Federação “espírita” brasileira – instituição que aparelhou no ambiente espírita um sistema de cúpula com evocação de infalibilidade, sendo a coordenadora da propalada “unificação” do movimento “espírita” brasileiro, promove nas suas instalações (Av. Passos/RJ e L 2 Norte/DF), sempre às terças feiras , a “centenária” contraditória e inexplicável reunião pública de estudo da obra antidoutrinária “Os Quatro Evangelhos” de J.B. Roustaing ? 

Por que existe e é conservada nos dispositivos do estatuto da afamada FEB a cláusula “pétrea” no “parágrafo único’ do art. 1º , cuja ordem jurídica estabelece os mandatórios “estudos e difusão da obra de J.B. Roustaing”? 

Como é simples de concluir, o citado órgão “unificador” é estatutária e oficialmente adepto e divulgador do ideário docetista, que nada mais é do que a crendice no ridículo Cristo APARENTE e VAPOROSO. 

A direção da Feb, durante o ano de 2016, planejou fazer uma homenagem ao livro “ Os Quatro Evangelhos” de J.B.Roustaing, para glorificar o sesquicentenário do agourento livro. Sabendo disso, soltamos um brado de alerta e, juntamente com os clamores atentos de alguns escritores espíritas, delatamos publicamente a empreitada. Deu resultado, pois a programação da “edição especial” foi temporariamente “abortada” pelo afamado órgão “unificador”. Todavia soubemos “nos bastidores” que a obra está finalizada e revisada desde 2015, mas está sendo mantida de “quarentena”, por enquanto (?!!...) Até quando? 

Aproveitando o ensejo, reafirmamos que urge ser revista a condução do movimento espírita, quase sempre infligida pela cúpula dos “órgãos oficiais”, mormente através da programação e implantação de folhetos e temas apostilados, visando implantação de cursos teóricos muito extenuantes, propondo fadigosos conteúdos doutrinários. 

Por que a editora do afamado órgão “unificador” , docetista por injunção estatutária, possui diversos títulos de livros supostamente espíritas que vem abastecendo o achocalhado movimento espírita com mensagens “voláteis” e ideias ardilosas, separatistas e antidoutriárias de J.B. Roustaing? 

Dentre os inúmeros títulos e autores de livros com princípios docetistas (editadas pelo afamado órgão “unificador”), listamos alguns abaixo, visando informar e alertar que o roustaguismo não morreu e nem foi enterrado no Brasil e infelizmente permanecerá por longo tempo enquanto existir o afamado órgão “unificador”. 

Na qualidade de professor de História sinto-me na obrigação de apontar e elencar algumas obras editadas pela editora da FEB que têm embaraçado a compreensão das obras de Kardec ante a cognição dos neófitos e até alguns veteranos. 

Eis uma lista de literatura facciosa ,portanto danosa para a melhor compreensão da Codificação kardequiana: 

“Grande espíritas do Brasil” (Zeus Wantuil); “Vida e obra de Bezerra de Menezes” (Sylvio Brito Soares); “Ide e pregais” (Newton Boechat); “O espinho da insatisfação” (Newton Boechat); “No oásis de Ismael” (F. Thiesen ); “Allan Kardec volumes 2 e 3” (Thiesen e Zeus Wantuil); “Universo e vida” (Hernani t. Sant’anna); “Grande vultos da humanidade e o espiritismo” (Sylvio Brito Soares); “Síntese do novo testamento” (Minimus); “Antônio de Pádua” (Almerindo Martins de castro); “O martírio dos suicidas” (Almerindo Martins de castro); “A caminho do abismo” ( Antônio Lima); “Estrada de damasco” ( Antônio Lima); “Vida de jesus” (Antônio Lima); “Elucidações evangélicas” (Antônio Luiz Sayao); “Elos doutrinários” (Ismael Gomes Braga); “Irmãos de Jesus” (Krueger Mattos); “O livro de Tobias” (Ismael Gomes Braga); “O Cristo de Deus” (Manuel Quintão); “A divina epopeia” (Francisco Leite de Bittencourt Sampaio); “Do calvário ao apocalipse” (Frederico Pereira da Silva Junior); “Jesus perante a cristandade” (Frederico Pereira da Silva); “Jesus, nem Deus nem homem” (Guillon Ribeiro) . Poderia ainda citar “Brasil coração do mundo...” que avalio ser obra adulterada; “Testemunho de Chico Xavier” que contém adventícios trechos roustanguistas e a célebre interpolação ideológica sobre a tal “Evolução em linha reta de Jesus”, contida na obra “O Consolador”. 

Por que a afamada Feb não consegue sustentar a fidelidade à Codificação? 

Por que os “fiéis” diretores das federativas estaduais não se organizam mirando a fundação de uma Confederação espírita brasileira , estruturada em nova composição “unificacionista” e de união ? 

A USE União das sociedades espíritas de São Paulo possui uma sede bem modesta e coordena o movimento espírita do estado inteiro, logo a sede da Confederação espírita poderia ser em instalações humildes, sem luxo e sem a monumental ostentação da soberba sede da FEB em Brasília. 

Pensemos nisso.

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Padre Zezinho reage à Globo em defesa da família brasileira.


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Beijo na boca entre pai e filha, carícias íntimas entre pai e filha no BBB da Globo motivaram reação do padre.
Leiam: 

Se querem diálogo, dialoguemos. Se querem confronto, no confrontemos.
A Globo não tem medo de nós e nós também não temos medo da Globo.
Não sei se você percebeu, mas o conflito e a ojeriza que se instalou entre a família tradicional e a família “mutante e avançada” foi causado pelos novelistas da Globo.
A Globo ganhou rios de dinheiro com as audiências que os novelistas lhe deram. E eles foram ficando cada dia mais ousados.
Quando veio a reação, lenta, mas inquietante para quem moveu bilhões de $$$, a Globo não sabe como voltar atrás.
O SBT, a RECORD e a BANDEIRANTES, não porque sejam mais respeitosas em outros programas, mas porque nas suas entrevistas e outras mensagens defendem a família tradicional, estão carreando para si a audiência das famílias feridas na sua autoridade, na sua fé e nos seus conceitos de homem, mulher e filhos.
Foi e continua sendo uma guerra de conceitos. E os novelistas, na sua maioria, vestiram a camisa da Globo; e, com exceção de alguns artistas, a Globo vestiu a camisa e a nudez dessas novelas.
Quando levaram o debate para auditórios entre o que é “avançado” e o que é “tradição”, o conflito atingiu os artistas, porque estes agora já não estavam representando o que os novelistas escreviam, mas sim defendendo, como artistas, as suas próprias ideias. Sobrou para os artistas.
Agora, o povo religioso – são milhões, mais do que a audiência da Globo – distingue entre deputados, artistas e diretores sérios e os inimigos de pais, mães, filhos e família.
Se o conflito persistir, não haverá governo para subsidiar as perdas deste canal!
Se existe uma coisa que um canal de TV teme é a perda de audiência e de anunciantes. E acho que é isso que vai acontecer quando as igrejas baterem de frente contra essas mensagens que as desrespeitam.
A Globo está perdendo o coração e a cabeça do povo!
Perdendo muito. Não adianta dizer que chegam a 100 milhões de telespectadores. As igrejas chegam a 180 milhões, embora nem todos frequentem. E nem os 100 milhões são fanáticos pela Globo.
Duvido que os atuais novelistas sejam capazes de mudar os seus temas e o excesso de erotismo e sexo que tanto incomodou as famílias nestes últimos vinte anos!
Se querem diálogo, dialoguemos. Se querem confronto, confrontemos.
Não é a modernidade contra o passado: são 4 mil anos de fé judaica e cristã contra o ateísmo de quem acha que pai e mãe não têm mais poder.
A babá-TV está perdendo o seu charme.
Religiosos de todas igrejas, divulguem isso: vocês têm força. Nós temos força! Cansamos de ver sem reagir!
Pe. Zezinho, scj

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Presenteísmo na Casa Espírita


Vladimir Alexei
Belo Horizonte das Minas Gerais,
 em 14 de janeiro de 2018

É comum conhecermos pessoas que militam nas casas espíritas a várias décadas de forma assídua, sem intercorrências, mantendo uma folha de serviços quase impecável.

Como força de trabalho voluntária, as casas espíritas lutam para manter seus colaboradores e se alegram quando novos colaborares chegam para somar esforços e colocar em prática esse movimento cristão de se levar conforto, esclarecimento e educação para todos que passam por lá. Entretanto, um fenômeno curioso acontece. O presenteísmo. Essa expressão é utilizada no mercado de trabalho convencional, para definir o colaborador que está de “corpo presente” no ambiente, mas, por vários motivos, o indivíduo está mentalmente distante.

Assim ocorre também na casa espírita. Por quê? Porque a relação entre as pessoas está cada vez mais superficial, sendo que, muitas vezes, é possível perceber o tarefeiro de corpo presente, mas a mente – espírito –, distante.

Por que isso ocorre? As causas variam ao infinito, entretanto, se pudéssemos classificar alguns fatores, pela observação, destacaria a falta de preparo das lideranças em administrar seu corpo de tarefeiros voluntários; comunicação deficitária da liderança entre os tarefeiros da casa espírita; distanciamento da liderança no dia-a-dia dos tarefeiros que estão sob sua tutela; dentre outros fatores que apontam para dificuldades na compaixão, falta de confiança e fraternidade.

Como ocorre? O tarefeiro, na casa espírita, abstrai-se mentalmente (presenteísmo) dos problemas de convívio do cotidiano, porque não se sente confortável, amparado e envolvido pela direção da tarefa (ou da casa espírita). Chega mais próximo ao horário de sua tarefa porque não há clima favorável para chegar mais cedo – além de, muitas vezes, não ter disponibilidade também, claro –, faz a prece inicial e vai para sua tarefa, de corpo presente. Conclui a tarefa com uma prece, despede-se e retorna ao seu lar e assim vai vivendo...

Durante muitos anos, diversas casas espíritas, assim como o movimento federativo, desenvolveram apostilas, cursos e treinamentos com o objetivo de melhorar as relações entre os tarefeiros, com direito, inclusive, a manifestações dos possíveis coordenadores espirituais da casa. Movimento válido, mas, com o passar do tempo, mostraram-se limitados por um simples e difícil motivo: a convivência se constrói no dia-a-dia e não apenas em eventos.

O que fazer para mudar esse cenário? Parece repetitivo e talvez seja, entretanto, nada é mais importante, para termos nossos tarefeiros atendidos em suas necessidades, no atendimento às necessidades dos outros, do que uma relação de confiança que permita que ele esteja de corpo e mente presentes.

Confiança se constrói por meio de gestos que sejam coerentes entre as palestras, reuniões administrativas e o trato no dia-a-dia. O papel de um líder não é o de projetar-se e sim fazer vir à tona as bases que sustentam os trabalhos: o Evangelho e a Doutrina Espírita.

Dirigente de casa espírita que não recicla seu conhecimento, que vive de passado, deve atuar em museu; dirigente que se perpetua na “presidência” ou que periodicamente muda a presidência, mas se mantem no comando, evidencia a fragilidade do próprio trabalho de preparar tarefeiros; dirigente que não muda o discurso deve ceder espaço para aqueles que estão dispostos a trabalhar para o próximo; dirigente que não prepara tarefeiros para a vida, com base naquilo que aprendeu e que pratica, terá sempre uma equipe de tarefeiros “presenteístas”; dirigente que acredita que tem que saber de tudo para liderar e ser melhor em tudo não entendeu ainda o significado de liderança (é como “pato”: nada, anda, voa, mas não faz nada direito); dirigente que não entende que seu primeiro trabalho é com os tarefeiros que estão com ele, está fadado há encontrar o presenteísmo nas atividades de sua casa.

Para evitarmos o presenteísmo na casa espírita, é importante que as lideranças, periodicamente, reforcem o papel da casa espírita para seus colaboradores. É um pronto socorro, educandário, casa de tratamento, etc. e tal, que, inclusive eles, podem e devem se beneficiar de tudo isso. Se o tarefeiro não se sentir acolhido, ele vai indicar outra casa espírita para as pessoas fazerem tratamento ou receberem orientações, que não seja a casa que ele trabalha.

Pedro foi o alicerce encarnado na sustentação dos trabalhos da Casa do Caminho porque era o primeiro a acolher, orientar, amparar e fortalecer. Exemplificou, porque aprendeu com o Mestre.

Nesse sentido, que as lideranças prestem atenção nos seus tarefeiros, acolham, orientem, confortem, instruam, criem laços que sejam duradouros para que o trabalho com o Cristo e pelo Cristo, opere transformações profundas em todos nós, de corpo e mente presentes.

domingo, 21 de janeiro de 2018

Espiritismo à Francesa: a derrocada do Movimento Espírita Francês pós-Kardec

Espiritismo à Francesa: a derrocada do Movimento Espírita Francês pós-Kardec

sábado, 20 de janeiro de 2018

O espírita não pode ser “miragaia de presépio” (Jorge Hessen)



Jorge Hessen

Será que Kardec algum dia imaginou que no futuro no Brasil surgiria um padrão de divulgação do espiritismo tão estranho e extravagante? Aqui os palestrantes vão se tornando cada vez mais santificados e adorados pela liturgia mística de ingênuos seguidores “espiritas”.
Tais idólatras espargem ares de ingenuidade e vão abarrotando os indigentes e onerosos congressos espíritas, realizados não por acaso nos amplos centros de convenções, a fim de que haja superávit financeiro tendo em vista a mantença do poder da liderança do movimento espírita tupiniquim.
O tema é recorrente. Empregamos aqui algumas expressões agudas, sabemos disso, porém a postura crítica é fundamental para o desenvolvimento da racionalidade espírita em sua difusão. Sabemos que jamais se aprenderá espiritismo por catequese como ocorre nas religiões tradicionais, nem mesmo por meio de espaçosos cursos (com o uso de apostilas intuído pela FEB) e palestras repetitivas onde o público “ouve” ou “escuta” passivamente.
Espiritismo se aprende pelo método ativo, através do amplo diálogo em que os diversos debates doutrinários, psicológicos, morais, científicos, sociais são discutidos e confrontados com as hipóteses propostas pelos espíritos nas obras de Allan Kardec. Aliás, um congresso espírita, para ser produtivo deveria ter este desígnio.
Basta de idolatrias! O espírita não deve agir qual “vaquinha de presépio”, aceitando “verdades” individuais elencadas por endeusados oradores, pois cada espírita precisa descobrir-se, conhecer a si mesmo e buscar estudar os conceitos que lhe chegam para depois compará-los com os princípios dos Espíritos.
Essa deve ser a postura zelosa do espírita prudente e racional, que busca compreender, para só depois aceitar, se assim o almejar (ou não) as verdadesempacotadas pelos livros e compactadas pelos bramidos dos ilustres palestrantes.

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Um pouco de luz

Um pouco de luz

Autora: Berthe Fropo

Tradução: Rogerio Migoez (rogcedm@yahoo.com.br)

               Eu li na Revista Espírita do mês de setembro, um artigo intitulado "AOS NOSSOS LEITORES" vindo da Administração da sociedade para a continuação das obras de Allan Kardec, que não passa de uma exagerada e tardia glorificação do mestre. Desde junho, a sociedade permitiu insultá-lo, criticá-lo e se dignou a dar asilo em sua Revista a dois de meus artigos, quando ela deveria ter sido a primeira a defender o homem a quem ela deve tudo, o escritor, o moralista fora de série que mais tarde fará a glória da França e a felicidade da humanidade.
               Diz a página 402:
               "Sim, defender Allan Kardec, ser seu advogado e defender sua causa, seria uma enganação. Porque ele não precisa de protetores, nem de bons dialogadores, ou artigos sensacionalistas para ser respeitado e reverenciado."
               Mas eu presumo que ele não precisa também de caluniadores ou de panfletos sensacionalistas, tão perigosos como falsos, e que não são para todo espírita sério mais do que balões de ensaio, cuja indignação geral fez justiça1.
               Eu também perguntaria à Sociedade por que decidiu por unanimidade, em uma assembléia geral, que o antigo título "Sociedade para a continuação das obras espíritas de Allan Kardec" fosse renomeado no futuro para Sociedade Científica do Espiritismo. Por que essa evolução? O que se pretendia fazer, removendo o nome do fundador, o mestre que vocês diziam ser tão respeitado e tão venerado. Em nome de todos os meus irmãos de crença, venho pedir-lhe o motivo; essa evolução é muito grave para que não tenhamos a explicação.
O nome de Allan Kardec significa comunicação dos espíritos, demonstrada de forma irrefutável, reencarnação e o progresso indefinido do espírito.
            Sociedade científica do Espirtismo não significa nada e testifica uma imensa pretensão. Parece que estamos questionando os princípios que exigiram trinta anos de estudos cuidadosos até serem admitidos. Onde estão os sábios que devem formar a nova organização? Que tipos de experiências serão entregues? Quanta confiança haverá nas demonstrações daqueles que têm um prestigitador como garantia? Tudo isso é lamentável, e vocês se dizem os discípulos sérios e judiciosos de Allan Kardec? Vocês dificilmente o demonstram.
Gostaria também de lembrá-los que o Sr. Allan Kardec pretendia fazer de uma parte de sua propriedade, um asilo para os espíritas idosos (Desejo que ele expressou no projeto de constituição do Espiritismo - Revista de 1868, páginas 375 e 387 - e sobre o qual ele falou comigo muitas vezes).
               Agora venho, em nome do meu amigo tão lamentado, exigir a execução de seus desejos, à Sociedadde anônima, exceto pelo interesse variável do fundo geral e central do Espiritismo fundado2 pela Sra. Allan Kardec, por ato em 3 de julho de 1869, perante um notário de Paris, Sociedade para a propagação das obras de Allan Kardec.
               Esta propagação não pode ser eficaz, a menos que os livros do mestre sejam baratos, foi o desejo de sua viúva, ela se impôs, apesar de sua adiantada idade, as mais difíceis privações, de modo a deixar uma fortuna real para o Espiritismo, aceitando comprometer sua saúde, já tão delicada, e ser tratada como uma avarenta para alcançar o objetivo que ela propôs a si mesma: o de divulgar a instrução moral e intelectual entre os seguidores pobres do Espiritismo, para ver crescer a obra de seu marido.
1 Veja o artigo do Tempos de 15 de agosto.       
2 Título de fundadora que lhe foi negado em sua morte nos documentos fúnebres.

               Ela deixou, além de sua propriedade, cujo terreno vale 300 mil francos, trinta e dois aluguéis, que dão uma renda anual de 8 a 10 mil francos; e uma quantia considerável de valores para pagar todas as despesas do inventário.
               A Sociedade anônima é, portanto, rica, pois já tinha 40 mil francos deixados pelo Sr. Allan Kardec quando de sua morte, mais 25 mil francos de uma casa de campo, legado de um espírita cujo nome eu não lembro; e, finalmente, os 100 mil francos doados pelo Sr. J. Guérin, o executor testamentário de J.-B. Roustaing e seu discípulo: um total de 460 mil francos, sem mencionar os lucros realizados desde a fundação.
               Parece-me que agora é a hora de baixar o preço dos livros, especialmente porque uma edição de 2.000 cópias custa:
Para o papel............ 800 francos.
Para o impressor...... 533    ─
Para o encadernador. 144    ─
TOTAL ..................1477   ─
               O que coloca cada volume ao custo de 80 centavos, que a livraria nos faz pagar 3 francos. Esta nota me foi dada pela Sra. Allan Kardec algum tempo antes de sua morte.
               Como vocês tem apenas uma ambição, a de serem trabalhadores, coloquem-se a trabalhar, respeitem a vontade dos dois fundadores do Espiritismo; pelas ações são julgados os homens, e não por suas palavras. Sejam gratos, devotados, altruístas, e quando vocês nos provarem por seus esforços e ações que vocês são os vigilantes guardiões do trabalho espírita em sua integridade, acreditem que terão adquirido o carinho e a estima de todos seus irmãos em fé, e teremos o prazer de fazer apenas uma grande família, caminhando sob o estandarte:
Fora da caridade não há salvação.
 B. Fropo

 Vice-presidente da União espírita Francesa.

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Fatos pós-Kardec na França e as primeiras edições francesas de A Gênese - Resenha do livro El legado de Allan Kardec




Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

Oportuna e meticulosa pesquisa, o livro El legado de Allan Kardec, de Simoni Privato Goidanich foi lançado na sede da Confederação Espírita Argentina, em Buenos Aires, aos 3/10/2017. O livro foi redigido em espanhol; contém 440 páginas, em formato 21X14cm, e ilustrações de dezenas de documentos franceses. Editado pela Confederación Espiritista Argentina, com distribuição pela Amazon (amazom.com). 

A autora Simoni Privato Goidanich é brasileira, bacharel em Direito e Mestre em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da USP; atua como Diplomata; recebeu prêmios e frequentou na Harvard University. A serviço do governo brasileiro, já residiu nos Estados Unidos, no Uruguai e no Equador. Nos países onde tem residido, dedica-se ao trabalho no movimento espírita. Autora de artigos publicados em periódicos espíritas e dos livros: El legado de Allan Kardec; Divulgación del Espiritismo: Enseñanzas del ejemplo de José María Fernández Colavida; Mediumnidad y Pases: Preguntas y Respuestas; Oratoria a la Luz del Espiritismo; coautora do livro Pases a la Luz del Espiritismo. Organizadora e tradutora da trilogia Revista Espírita - Periódico de Estudios Psicológicos: Colección de Textos de Allan Kardec. Apresentadora do programa Reflexiones Espíritas, da Rádio Bezerra Online, de Miami (EUA). Reside atualmente em Montevidéu, Uruguai, com seu marido, que também é diplomata. Atua no Centro Espírita Redención e colabora com a Federación Espírita Uruguaya.

A apresentação do livro foi redigida por Gustavo N. Martínez, presidente da Confederação Espírita Argentina, tradutor para o espanhol de várias obras espíritas e inclusive de A Gênese, de Allan Kardec, com base na 1a edição francesa de 1868, editada pela C.E.A. no final do ano de 2017.

Simoni Privato Goidanich esteve pessoalmente em Paris acessando documentações oficiais e também na histórica Associação Espírita Constancia, de Buenos Aires, que funciona desde 1877. A autora faz um meticuloso levantamento em documentos dos Arquivos Nacionais da França e da Biblioteca Nacional da França, reproduzindo significativas páginas dos mesmos, tendo por foco o livro A Gênese e instituições como a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, a Sociedade Anônima para a Continuação das Obras Espíritas de Allan Kardec, da sua sucedânea, a Sociedade Científica do Espiritismo, e, da então nascente União Espírita Francesa. Além dos documentos oficiais e de Atas, a autora faz sistemáticas citações da Revista Espírita (do período administrado por Kardec e dos anos seguintes), da revista Le Spiritisme, órgão da novel União Espírita Francesa, e de obras de Allan Kardec. Simoni cita muitas vezes o livro Beaucoup de Lumière (1884), de Berthe Fropo, atualmente disponibilizado em edição digital bilíngue: a tradução em português e o original em francês. Trata-se de espírita atuante, fiel a Kardec, e, amiga, vizinha e apoiadora de Amélie Boudet. 

O livro de Simoni se divide em duas partes. Na primeira parte são tratados assuntos sobre momentos significativos dos 10 anos após o lançamento de O livro dos espíritos; os papéis desempenhados por Léon Denis e Gabriel Delanne no movimento espírita francês e o relacionamento de ambos com Kardec; todos os episódios sobre o lançamento e as primeiras edições francesas de A Gênese; e a desencarnação do Codificador. 

Na segunda parte, a autora trata de questões legais sobre o nome e o pseudônimo de Kardec; a fundação da Sociedade Anônima para a Continuação das Obras Espíritas de Allan Kardec; comenta o chamado “o ano terrível” (1872), relacionado com o lançamento da 5a edição de A Gênese designada como “revisada, corrigida e aumentada”; o “processo dos espíritas”; os cerceamentos inflingidos à sra. Allan Kardec e sua desencarnação; a queima de arquivos e documentos da viúva de Kardec; o alerta do biógrafo de Kardec, Henri Sausse – “Uma infâmia” – apontando 126 alterações de texto na 5a edição de A Gênese; as nefastas deturpações executadas por Pierre-Gaëtan Leymarie em instituições e na Revista Espírita; as lutas e propostas renovadoras de Gabriel Delanne e León Denis e a fundação da União Espírita Francesa, em 1882.

No livro em análise ficaram evidentes as alterações de propósitos da Sociedade Anônima para a Continuação das Obras Espíritas de Allan Kardec, depois transformada por Leymarie em Sociedade Científica do Espiritismo, e, também na linha editorial da Revista Espírita. Sobre esta revista fundada por Kardec, anota a autora Simoni que sob a direção de Leymarie: “as páginas estavam cada vez mais ocupadas com artigos sobre teosofia [...] Estabeleceu-se um vínculo da Sociedade Teosófica com a Sociedade de Estudos Psicológicos e a Sociedade Anônima para a Continuação das Obras Espíritas de Allan Kardec”.

O livro de Simoni Privato Goidanich comprova que a Sociedade Anônima para a Continuação das Obras Espíritas de Allan Kardec, dirigida por Leymarie, passou a ser dominada economicamente pelo acionista Jean Guérin, um grande proprietário, ex-dirigente político do departamento de Gironda (sendo Bordéus a capital), admirador e apoiador de J.B.Roustaing. O apoio financeiro de Guérin à Sociedade Anônima gerou a hipoteca dos bens da Sociedade e dos imóveis doados por Allan Kardec. Anos depois, tudo foi perdido por ação movida por herdeiros de Guérin. Um fato tormentoso neste ínterim foi a ampla circulação de um panfleto de divulgação da obra de Roustaing, defendido pela então direção da Revista Espírita, provocando forte reação dos amigos e defensores do legado de Kardec, inclusive Gabriel Delanne, Léon Denis e Berthe Fropo. 

Dentro desse contexto de deturpações e polêmicas, as edições francesas de A Gênese, a partir da 5a edição de 1872 (aquela “revisada, corrigida e aumentada”) é que foram autorizadas para traduções em diversos países, por Leymarie, então dirigente da Sociedade Anônima para a Continuação das Obras Espíritas de Allan Kardec. A autora Simoni mostra que o pioneiro e líder espanhol José María Fernández Colavida traduziu e publicou a 2a edição de A Gênese, de 1868, em Barcelona (Espanha), mantendo-se fiel à edição de Kardec.


Simoni comprova que até a desencarnação de Kardec ocorreram quatro edições de A Gênese. Na meticulosa pesquisa registrada e comentada no livro El legado de Allan Kardec, Simoni Privato Goidanich provou que um único exemplar de A Gênese, publicado em 1868, foi depositado legalmente durante a existência física de Allan Kardec na Biblioteca Nacional da França. Para a autora, esta edição é a definitiva e o Codificador não teria modificado o conteúdo. Entre outros fatos, a autora destaca o cuidado da época com que o Ministério do Interior fiscalizava as publicações, pois a França vivia momentos políticos tensos durante o reinado de Napoleão III.

O livro El legado de Allan Kardec tem riquíssimo valor histórico e é restaurador de importantes episódios que se encontravam encobertos. No final, registra Simoni Privato Goidanich: “A responsabilidade ante o legado de Allan Kardec é de todos os espíritas, e cada um herdará as consequências de seus atos e de suas omissões”.

Em nossa opinião o novo livro El legado de Allan Kardec reúne preciosas informações e documentação sobre as primeiras décadas em seguida à desencarnação de Allan Kardec, sendo um rico repositório da história do movimento espírita francês.

(Goidanich, Simoni Privato. El legado de Allan Kardec. 1.ed. Buenos Aires: Confederación Espiritista Argentina, 2017. 440p.)

(*) Foi presidente da FEB, da USE-SP e membro da Comissão Executiva do CEI.

Fonte: Publicado originalmente na Rede Amigo Espírita – Disponível em http://www.redeamigoespirita.com.br/profiles/blogs/fatos-p-s-kardec-na-fran-a-e-as-primeiras-edi-es-francesas-de-a-g acesso em 04/01/2018

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

CÉU - PROPRIEDADE PARTICULAR


Luiz Carlos Formiga

Tenho dois amigos. Eles foram “leprosos”, no Hospital de Dermatologia Sanitária.
Posteriormente, curados da Hanseníase apresentaram sequelas graves. Mesmo assim, praticavam os ensinamentos do Evangelho Segundo o Espiritismo. São exemplos de superação.
Conheci Amazonas Hércules, quando fui assistir uma de suas palestras. Cheguei em cima da hora e fiquei na última fileira. Uma muleta revelava sua deficiência física. Falou-nos da vida e com poesia lembrou Jesus. (1)
Depois de mais de 50 anos, não me lembro bem de suas palavras, mas, ficou a emoção como reforço da vacinação. Ensinava e emocionava como Renato Teixeira: “ando devagar porque já tive pressa e levo esse sorriso porque  já chorei demais. É preciso amor, pra poder pulsar. É preciso paz pra poder seguir.”
O Conde Dimitri também fez amizade com um leproso, que não teve a felicidade do tratamento com antibióticos e quimioterápicos. Quem conta é Tolstoi.
“Kozlovsky é doente há uns vinte anos! Vive sozinho com um anão. A mulher dele fugiu. Mas as autoridades encontraram-na e fizeram-na voltar para tratar dele. Matou-se. Farmacêutico abastado, adoeceu e a miséria colheu-o em suas redes. Por motivos políticos vira-se preso e sofrera o degredo com trabalhos forçados, na Sibéria, e lá tivera início o seu terrível mal, que progredira assustadoramente.”
O Conde Dimitri resolveu visitá-lo e oferecer ajuda, para aliviar o sofrimento.
“A casa de Kozlovsky encontrava-se em adiantado estado de ruína, tal qual o próprio dono. Quando o trenó parou à frente do portão, gritaram de longe aos três viajantes: arredai-vos, não entreis! Trazeis esmolas? Deixai-as no portão, que o criado retirará depois. Aí reside um leproso!
— Leproso?... Disseram leproso?
— Pois disseram leproso, Conde Dimitri. Não devemos entrar... — apressou-se Nikolai a intervir, aconselhando o amo.
— Mas, eu nunca vi um leproso... Como será?

Não creio que a lepra me atinja só por eu visitar um leproso. Farei o seguinte: não lhe estenderei a mão e nem me sentarei.” (2)
Desde a juventude, a Lepra estimulava a minha curiosidade. Talvez porque encontrasse doentes no bonde. Eu morava perto de uma “colônia”.
Muito tempo depois uma aluna manifestou desejo de produzir uma Monografia sobre o assunto. Ficamos entusiasmados e convidamos um PhD em Comunicação para nos ajudar. Juntos, escrevemos “Hanseníase, a Lepra e a Comunicação Dirigida”.(*)
Considerando a importância da informação sobre a Lepra para estudantes do curso de graduação em Enfermagem, o estudo descreveu a situação da Hanseníase no Brasil.
A educação sanitária possui relevante papel no controle da doença infecciosa. Apresentando a enfermidade de forma realista ela contribui para o seu tratamento correto e, ainda, ajuda a desfazer estigmas e preconceitos.  Por essa razão, fizemos a proposta do uso da Comunicação Integrada. (3)
Como foi feita a comunicação ao leproso, quando o Conde resolveu visitá-lo?
Qual a reação do doente diante de ato inusitado e corajoso, daquele homem rico e poderoso?
“Dimitri foi recebido por um ser disforme, pequenino, mal proporcionado,  Era um anão. Contudo, não era leproso e parecia irradiar saúde e alegria de viver.
.— Bons-dias, que desejais? Podeis deixar vossas esmolas. Eu as retirarei.
— Deixaremos esmolas, mas desejamos também visitar pessoalmente o doente.
O anão sobressaltou-se e fitou Dimitri com curiosidade :
— Quanto a isso não será possível, senhor! Perdoai-me! E nem o Sr. Kozlovsky o consentiria.”

Após os argumentos e a insistência de Dimitri, entraram.
“Visitas para vós paizinho. Eu não queria permitir-lhes a entrada, mas insistiram. Talvez haja a intervenção dos amigos espirituais nesse acontecimento. E permiti-lhes entrar...
— Sim, Karl. Fomos avisados, ontem, pelo nosso Anjo-Guia, de que receberíamos visita significativa. Julguei tratar-se de visita espiritual. Quem, humano, ousaria entrar neste tugúrio? Mas ei-la! aí está! Deus seja louvado.

De quem se trata?
O anão empertigou-se, e apresentou as visitas:  O Conde Dimitri Stepanovitch Dolgorukov, Senhor destes domínios, e seus pajens...
O doente pareceu surpreender-se, pois ergueu vivamente a cabeça despida de cabelos. Os glóbulos dos seus olhos cegos, que uma membrana esbranquiçada e esponjosa recobria, agitaram-se dentro das órbitas, cujos rebordos das pálpebras já se viam corroídos pela Lepra.
O doente sentado em primitiva cadeira de rodas, já rota e remendada, coberto com andrajos de lã; à beira de uma estufa que tivera, outrora, o seu valor artístico.
Dimitri encontrava não propriamente um homem, mas farrapos humanos em decomposição através da Lepra, um monstro de pernas paralíticas, cego, leproso em adiantado grau, e cujas mãos, já sem dedos, porque o mal terrível corroerá as falanges, eram incapazes de algo tentar para os serviços do dono. O rosto, dir-se-ia máscara diabólica, pela fealdade, pois dele desaparecera já parte do nariz, dos lábios e das orelhas, além dos supercílios, e de cuja pele arroxeada e escalavrada, como se queimaduras a alterassem, destilavam matérias asquerosas, exalando desagradável almíscar, tal um suor pestífero.”
“O aviso, do Anjo-Guia, da visita significativa” permite-me uma digressão para lembrar o querido Marcondinho, Espírito Espírita, que conheci em Jacarepaguá, na antiga “colônia de leprosos”.
Depois de algum tempo na espiritualidade Marcondes me procura para demonstrar a imortalidade e me dar a grande alegria de sabê-lo feliz, fora do velho corpo físico.
Vou contar rapidamente, pois a mim me interessa divulgar o excelente trabalho O Paralítico de Kiev, da médium Yvonne Pereira, no livro Ressurreição e Vida, pelo Espírito Leão Tolstoi.
Estive com o Dr. Reynaldo Leite, médium e Juiz de Direito, num programa de TV, no Rio de Janeiro. Ali ele viu o Espirito, que desencarnara no "leprosário". No Curupaiti, Ele aprendeu a amar a Religião dos Espíritos frequentando o Centro Espírita Filhos de Deus. Com braços e pernas atrofiados, cego e numa cadeira de rodas, chegou a trabalhar, pasmem, na reunião de desobsessão.
O médium o descreveu, inicialmente, como um ser cego e muito deformado.
Eu, o entrevistador e o Dr. Reynaldo estávamos sentados à mesa, antes do início do programa, quando relatou a sua vidência.
Disse-me: “Formiga, um Espírito que se diz seu amigo, me pediu para dar um recado. Disse que você vai identificá-lo facilmente.”
 “Ele surgiu ali na entrada, mas veio rolando pelo chão, apresentando-se com pernas e braços muito atrofiados. Postou-se a seu lado e disse que estaria junto, o tempo todo”.
“Em seguida, exibindo radical transformação, transformou-se num belo espírito de luz.”
“Pediu-me para lhe descrever como se encontra no mundo espiritual.”
“Formiga, você o conhece?”
 Sim. Aprendi a admirá-lo. Hoje está feliz, graças ao estudo e prática das lições do Evangelho de Jesus. (4)
Como estaria o leproso Kozlovsky? No Céu ou no inferno?
“Como te sentes hoje? Perguntou o Conde solidário.
O doente deixou entrever monstruosa crispação das faces: era um sorriso. Respondeu com lágrimas na voz, em tom rouquenho, devido à ausência das narinas.
Em seguida comentou a realidade das expiações através de indagações pertinentes.
Porventura não é inferno viver assim uma alma, que conheceu as glórias do poder, os caprichos do amor, o triunfo das paixões, os regalos da fortuna, a fascinação das turbas prostradas aos seus pés, os gozos vis da soberania cruel; não é inferno sentir-se retida numa cadeira de rodas, prisioneira de si mesma, votada ao mais contundente abandono, sentindo, minuto a minuto, a Lepra corroer-Ihe as carnes, devorar-lhe os olhos para torná-los cegos, destruir-lhe as mãos, que outrora foram homicidas, para aprofundar as suas mesmas amarguras; soltar-lhe os dentes, para detalhar o martírio e a fealdade; deformar-lhe o rosto, para torná-lo monstruoso como o próprio caráter?
Já imaginou, Excelência, porventura, o infernal suplício daquele que não possui mãos para os próprios serviços? Pois, eu não as possuo mais!
Sabe, Excelência, como poderei ingerir os alimentos se, por qualquer motivo, Karl não está presente para mos levar à boca, também já aviltada, porque sem o paladar? Laço-o como o faz o animal: Karl deixa-os aqui, sobre esta mesa, ao pé de mim. Se advém o apetite incontrolável, tateio  com os tocos destas mãos; deponho o rosto sobre o prato e os vou retirando, com a boca.
— Não será, porventura, sentir-se retido nas entranhas dos infernos o coração que, como o meu, amou loucamente uma mulher, da qual fez sua esposa, por quem daria o sangue das próprias veias e a vida, mas que, ao adoecer, viu-a fugir de si, apavorada da sua enfermidade e da sua presença, e a qual, obrigada a voltar ao lar pelas autoridades judiciárias, para tratar do esposo desgraçado, que sou eu, preferiu matar-se para se livrar dele, a viver e ter de suportá-lo”?
Voltemos, novamente, a colônia do Curupaiti.
Para não ir desacompanhado ao Hospital de Dermatologia Sanitária, convidei um colega, que iria pela primeira vez. A visita era na enfermaria. Pouco depois, chegou um grupo de espíritas. Ao perguntarem quem faria a oração antes do passe, Marcondes se ofereceu.
Sentados na cama acompanhamos sua prece, que emocionou a todos. Agradeceu a Deus pelo dom da vida, pela oportunidade da reencarnação e as Entidades Venerandas, que nos legaram a Codificação Espírita.
Ainda sentado na cadeira de rodas, o doente Koslovsky continuou a dirigir-se ao Conde.
“Não estarei ainda hoje nos infernos, quando, irremediavelmente cego posso ver, durante horas e dias (oh! a única coisa, Excelência, que é dado aos meus olhos enxergar!), a alma conflagrada da mulher amada, enlouquecida nas ânsias advindas do suicídio, a vagar, por entre gritos e blasfêmias, por esta mesma casa onde habitou e foi feliz ao meu lado,  a me suplicar perdão, a me rogar socorro para suas desgraças, porventura maiores do que as minhas, porque não encontra nem asilo, nem refúgio, nem consolo, nem alívio em parte alguma, como suicida que foi, ao passo que eu possuo a coragem da fé que deposito no amor do Criador e no destino da minha alma?”
Lembrei do Anjo-Guia e de Eunice Weaver, o “Anjo dos Leprosos”.
Eunice recebeu o título de cidadã benemérita do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e Bahia e o de cidadã honorária de dezoito cidades brasileiras.
Quem seria o Anjo de Kozlovsky?
O leitor vai me excomungar, mas não vou contar o que Tolstoi revelou pela psicografia de Yvonne.
O Conde Dimitri estava estupefato e seus pensamentos se atropelavam.
Kozlovsky estaria também louco, atacado nas faculdades mentais?
Como poderá viver assim sem enlouquecer?
“— Conheces, pois, os Evangelhos, ou a história do Cristianismo do primeiro século? Perguntou Dimitri.
— Conheço, Excelência! O Evangelho há sido o grande esteio onde me amparo para enfrentar as desventuras; o consolo supremo das horas que aqui suporto, entre o amargor da miséria, o opróbrio da doença e a solidão dos afetos. A tal ponto protegeu-me o Evangelho contra as desgraças que me atacaram que, tal como me vê, assim monstruoso e sofredor, desfruto momentos de tão intensa felicidade espiritual.
 — Enquanto possuí olhos e a dádiva da vista não me abandonara, li e reli os Evangelhos, procurando assimilar a sua essência. Sobre eles meditei até horas mortas da noite... e consegui encontrar o meio de suprir minha alma de conhecimentos bastante preciosos, para me ampararem quando os olhos se apagassem, vencidos pela moléstia. Li Swedenborg e os clássicos psiquistas ingleses... Li Allan Kardec, esse francês genial e eminente, recém-falecido, que soube reunir, coadjuvado por Espíritos, em cinco preciosos volumes, a Doutrina da Imortalidade, que faltava à consciência humana...  Li Aksakof.
Assim tenho aprendido que, se sou o monstro que aqui está, é que tenho vivido outras existências corporais neste mundo! Vivi outras vidas no pretérito, durante as quais errei, cometi crimes, contra a sociedade e as leis de Deus! E agora expio o passado, para expungir da consciência a mácula desonrosa das infrações de outrora. Não obstante, repito, sinto-me feliz! A Doutrina da imortalidade arrebata para os ideais mais elevados e nos ensina a enfrentar acontecimentos da vida, por um prisma diverso daquele que os outros homens adotam.”
O leproso me fez lembrar o livro de Lin Yutang:
"Só aquele que encara despreocupadamente as coisas com que se preocupam os homens pode preocupar-se com as coisas que os homens encaram despreocupadamente." (5)
Como fazer chegar aos distraídos a elevada missão da Ciência Espírita? (6)
O Conde não esperava pergunta embaraçosa e o leproso não se fez de rogado:
“Excelência! Já ouviu falar da reencarnação? Pois é sublime lei da Criação, que opera a reeducação das almas culpadas!
Vivi resplendente de poderio sobre o trono da Rússia, em passada etapa reencarnatória! Fui Yvan, o Terrível, aquele Imperador que semeou desgraças e sangue, desesperações e morte. Matei, com as próprias mãos, várias de minhas esposas e até meu próprio filho.”
Dimitri bradou, banhado em lágrimas: Oh! Que fazes, quando semelhante tortura, que os infernos esqueceram de inventar, te enlouquece a mente?
“— Que faço ?... Que faço ?... Volto-me para Deus! Oro! Suplico a clemência dos Céus para ela, cem vezes mais desgraçada do que eu, porque eu, eu, Excelência, possuo o tesouro de uma certeza inabalável na misericórdia do Altíssimo, certeza que me consola e revigora para levar, até final, a humilhação da minha vergonha de alma culpada que se arrepende.. . ao passo que ela, ela, nem mesmo acredita em si própria, na existência da própria alma em atribulações, pois supõe-se viva, a debater-se em insondáveis pesadelos agravados pela minha presença!. ..

Yvan, o Terrível é sofredor, reduzido ao mais trágico e mais sórdido nível social existente sobre a Terra!  Degradado pelos próprios crimes pretéritos, cujas repercussões expiatórias o perseguem há três longos séculos!
Muito arrependido está esperançado na reabilitação, através da Dor e do Trabalho.
Está resignado ao compreender que, sendo alma imortal, destinada a ininterrupta quão gloriosa ascensão para o Melhor, será necessário que sofra, que chore, que se submeta e humilhe, para aprender que a lei promulgada para as diretrizes das almas filhas de Deus é — Amor a Deus e ao próximo —, caminho de luz que, um dia, o alçará à dignidade da união com Ele.”
Céu. Propriedade particular, conquistada com trabalho sem propina.
Para a conquista, as sete virtudes do Cavaleiro Templário ajudam extraordinariamente.
Com a fé, que é a primeira, ele pode saber e entender as coisas invisíveis. (7)
Yvan, o Terrível, foi Kozlovsky, o leproso que leu Allan Kardec.
No Livro Obras Póstumas, a popularização do Espiritismo é recomendada.
Evangelho Segundo o Espiritismo diz que a árvore do Cristianismo deve dar os frutos de vida, de esperança e da fé. (8)
O que podemos fazer para ajudar a acordar consciências, para que compreendam a elevada missão do francês genial?

(*)  apresentado ao 17° Encontro Nacional dos Estudantes de Enfermagem, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, Ceará. Julho, 1994. Classificado em 5º lugar entre os quarenta e seis trabalhos apresentados.

Referências