.

sexta-feira, 30 de março de 2012

CARTA ABERTA AOS PRESIDENTES DAS FEDERAÇÕES ESPÍRITAS, DAS SUBORGANIZAÇÕES, DOS MOVIMENTOS, DOS CENTROS E DE TUDO O MAIS QUE TENHA PRESIDÊNCIAS DENTRO

Margarida Azevedo
Portugal


“O elogio imerecido é escárnio mascarado.”
(Provérbio alemão)



Caros amigos

Espero que não fiquem escandalizados com a minha audácia em dirigir-me a tão ilustres personalidades do movimento espírita nestes termos, mas recuso-me terminantemente a tratar por V.ª Exª seja quem for dentro deste santo movimento. Trato-os por amigos, que é como me sinto bem.
Assim sendo, passo de imediato ao desabafo dos considerandos que me entristecem a alma.
Tenho verificado que os meus amigos primam essencialmente pelo brilhantismo da actividade discursiva, de que sublinho a retórica sem maiêutica, impregnada de ironia, em que não raro chamam estúpido ao auditório que, embevecido com as vossas poses, nem percebe que está a ser insultado. Perdidos nos rodeios e subterfúgios, nos floreados malabarísticos, as frases são usadas num encadeamento de fazer inveja ao mais audacioso dos políticos, que se ainda não vos conhece nem sabe o que perde. Aconselho vivamente que qualquer indivíduo que pretenda seguir uma carreira na política, com sucesso, acrescente-se, faça um estágio convosco pois terá uma carreira brilhante pela frente, e os meus amigos sempre poderão tirar mais algum proveitozinho, o que nos tempos que correm é precioso pois nunca se sabe o que a vida nos reserva. Já dizia a minha avózinha: “A vida é tão curta e tão ingrata. Olá se não é!”
Após as longas dissertações frívolas, e entrados no falso período de perguntas e respostas, ninguém recebe o tão almejado esclarecimento por várias razões que, num crescendo, enumero do seguinte modo, à laia de decálogo:
1. As perguntas são: mal formuladas; descontextualizadas; confusas;
2. O interrogante está mal intuído, logo perturbado;
3. O interrogante não esteve com atenção;
4. A pergunta não é espírita, não tem que ver com a Doutrina (não sei o que é isso);
5. A pergunta não faz sentido, é ridícula;
6. O orador ri da pergunta, a assembleia também, por imitação, pois ninguém sabe do que ri;
7. Quando responde, “dá o tiro ao lado”, não responde à pergunta;
8. O orador diz que a resposta é demasiado óbvia, e escusa-se a responder;
9. O orador omite que não percebeu a pergunta ou que, tão simplesmente, não sabe responder;
10. O orador reencaminha a resposta para outra pessoa da mesa.
Complementando o quadro, temos os locais tão requintados e tão explendidamente exuberantes que, na minha modesta sensibilidade, ajudam a construir o fascínio do ambiente de tanta luz. Outros, porém, dormem mal o discurso começa. São os portadores dos maus Espíritos, no vosso dizer e no daqueles que seguem as vossas pisadas. Eu diria antes que são os protegidos dos vossos discursos frios e calculistas, da vossa fascinação perigosa, da vossa vaidade ridícula.

São os que em nome do sofrimento, tão chantageado por vós e pelos vossos acólitos, ou iludidos com a suposta presença de Entidades oriundas dos mais iluminados confins do universo, na sua boa fé deslocam-se às vossas prelecções com o objectivo de sobre eles pingar uma gota d´água, alguma luzinha sobre a alma sedenta de luz e de paz. Mas não. O auditório ouve embevecido os vossos discursos quais histórias de encantar, realmente para adormecer, cheias de moralidade mas, espremidas não deitam sumo. Porém, eles ouvem-nas fascinados como que saídas da boca de um jesus cristo culpabilizador, intransigente, calculista, discriminador, que lhes põe o dedo nas chagas e que os faz pensar “Ai que maus que nós somos!” interrogando-se depois, aflitos: O que fazer!” Já ouvi quem respondesse: “Muito trabalhinho, meu amigo, muito trabalhinho.”, enquanto virava as costas à pessoa e subia as escadas do Centro, por acaso um dos mais antigos de Lisboa.
Ninguém vos ouve em nome de Jesus, o Cristo, o Filho do Deus vivo, o Cordeiro de Deus, o Justo, o Mártir por todos nós; o profeta do perdão incondicional, do amor sem fim, enfim o Amor. Não mencionam aquele que nasceu numa cabana, que pregou pelos campos, na sinagoga, em Jerusalem. Não, ninguém caminha para Deus com os vossos discursos, mas antes para a perdição, para aquele que, no deserto, disse a Jesus que “tudo o que vês será teu se me adorares”. Os vossos discursos não ensinam a renegar a idolatria, a fascinação, o desejo ávido de poder, os elogios fáceis e podres. Quando falam de simplicidade e de virtudes afins tudo isso não passa de meros utensílios de retórica para aludir o auditório que vos bajula.
Ademais, não consta que Jesus, os Apóstolos, os profetas do Antigo Israel, e todos os que a este mundo vieram com nobres missões de pôr alguma ordem e juízo no espírito mais comum dos seres pensantes, fossem alguma vez referenciados do modo como são os líderes espíritas.
No entanto, não pensem que estou a compará-los com tão ilustres seres. Não, nada disso. É que, nas minhas rudimentares observações, os meus amigos já conquistaram o vosso lugar na terra, não precisam das bençãos do céu (Bem-aventurados os que...).
Por isso, permitam-me que peça com o coração maior que a cabeça: Façam das vossas vidas tudo o que quiserem, pois ninguém tem nada com isso, mas rogo-vos humildemente que não enxameiem a Doutrina de Entidades trevosoas, não a entreguem ao devaneio; não façam dos Centros espíritas casas de leviandade; não amputem os seus membros, trabalhadores afincados e humildes de coração; não decapitem as cabeças pensantes, estudiosas, tementes de Deus e de Seus Emissários. Não mutilem a Doutrina, pois ela é Arte, é Sabedoria, é Justiça, é Amor.
Por favor, façam uma limpeza às vossas almas, como todos nós, aliás, fazemos a cada dia que passa. Arrependam-se. Um homem/mulher arrependido(a) é um filho perdido que retorna à casa do pai. Todos nós estamos em idêntico caminho, cruzamos os mesmos trilhos cheios de irregularidades. O arrependimento é a nossa força motriz.
Que Jesus chegue aos vossos corações e possam dizer,em jeito do evangelho lucano: “Eu pesquisei, eu encontrei. Por isso dedico a ti, Teofilo, este meu evangelho. Façamos um baquete à descoberta de Jesus. ”
Partilhemos o banquete do nosso arrependimento, festejemos a nossa regeneração, convivamos em festejos de luz, a nossa luz ainda que fraquinha, mas a luz dos amigos de Deus.
Meus amigos, afastem-se das trevas, queiram o que deve ser desejado, vivam em paz com as vossas consciências purificadas. Abandonem as cerimónias, as passadeiras vermelhas, as reuniões fúteis. Trabalhem, trabalhem sempre com muito amor e nada vos faltará, até o perdão incondicional daqueles de quem tanto mal têm dito, a quem tanto enganaram, de quem tanto abusaram da paciência.
Não sou defensora da reencarnação para pagar dívidas do passado esquecido, soa-me a pena de Talião e à invenção do movimento infinito, para nada. Defendo a reencarnação como escola do perdão e do arrependimento, da tomada de consciência. É que, pagar uma dívida não significa arrependimento, mas o arrependimento implica sempre a consciência de uma dívida que urge compreender. O pagamento não anula o passado; o arrependimento é Cristo redentor num coração enobrecido.
Estamos sempre a tempo. O amor é paciente. Deus é Pai, e nós aguardamos a fraternidade em plenitude. Aguardo cheia de esperança o abraço da paz entre todos os espíritas, num lado qualquer.
Um abraço fraterno


SERÁ NECESSÁRIO REESCREVER A CODIFICAÇÃO?

Simão Pedro de Lima
/Patrocínio/MG



 
Há, no movimento espírita, por parte de algumas pessoas, uma ideia de se atualizar o conteúdo das obras da codificação. Dizem que Kardec estaria, em parte, ultrapassado, principalmente levandose em conta as novas conquistas da ciência. Há aqueles que dizem ser necessário reescrever a codificação ou, então, fazer nova edição “revista, corrigida e atualizada”, ajustando as respostas ao conhecimento científico moderno. Também há uma ideia de se fazer novas perguntas aos Espíritos visando rever certas respostas tidas como erradas. Isso é necessário? Não seria um desvirtuamento?
Salvo melhor entendimento de minha parte, penso ser um assunto que demanda certo cuidado para dele se tratar. Exponho minha opinião, respeitando a quem pensa de maneira diferente e sujeitandome a ser corrigido se, porventura, incorrer em erro de fundamentação, de conteúdo ou de argumentação.
No livro Eclesiastes, no Velho Testamento, está escrito, no capítulo 3 que “Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu”. Pode-se dizer que cada escrito guarda relação com o conhecimento do seu tempo. Há elementos que, na época da codificação, eram vistos sob um prisma diferente do que hoje se vê. Os Espíritos passavam informações em conformidade com o conhecimento de então, tal qual o Cristo o fez, conforme ele mesmo nos disse: “muitas coisas eu ainda vos tenho que dizer, mas vós não podeis suportá- las agora...”. (Jo 16: 12).
O conhecimento científico do século XIX estava se desabrochando e descobertas várias surgiram depois, principalmente no campo da física, química e biologia. A teoria de Darwin começava se esboçar, conceitos astronômicos modernos ainda estavam em embrião e por aí vai... É natural, então, que Allan Kardec ficasse inserido nesse contexto e que seus comentários guardassem relação com a época. Depois dele, no tempo imediato, outros pensadores avançaram no conhecimento científico-filosófico-espírita, dentre eles Leon Denis, Camille Flammarion, Ernesto Bozzano, Alexandre Aksakov, Gabriel Delanne, Charles Richet, Cesare Lombroso, Willian Crookes e outros.
No tempo presente e passado próximo, tivemos ainda, Hernani Guimarães Andrade, Herculano Pires, Hermínio Miranda, Carlos Imbassahy, Deolino Amorim, Jorge Andréa, Sérgio Felipe, dentre outros que, em diversos campos, deram sua contribuição para o esclarecimento dos fatos espíritas. Tivemos, também, testemunhos práticos da verdade espírita nas pessoas de Bezerra de Menezes, Eurípedes Barsanulfo e Chico Xavier. Da espiritualidade, por mãos laboriosas, Espíritos vários trouxeram-nos e, ainda nos trazem, informações preciosas, dentre eles, Emmanuel, André Luiz, Humberto de Campos, Joanna de Ângelis, Vianna de Carvalho, Victor Hugo, Manoel Philomeno de Miranda e vários outros.
Todos esses nomes contribuíram para a “atualização do pensamento espírita”, sem necessitar fazer mudanças nas obras trazidas por Allan Kardec. Nenhum deles solicitou novas edições ou mesmo notas explicativas em rodapés de páginas. Nem por isso deixaram de nos trazer novos ensinos (complementares ou mesmo atualizações).
Temos obras valiosas da filosofia, que foram escritas há séculos, seguindo padrões de cada época e nem por isso vemos pessoas querendo alterá- las. Protágoras, Tales, Demóstenes, Pitágoras e outros filósofos jônicos, eleáticos, atomistas buscavam o elemento primordial; e, todos, fizeram seus ensaios quanto a esse elemento, no entanto ninguém reescreve suas obras para mudar esses pontos. Sócrates, Platão, Pitágoras e outros não tiveram suas obras originais revisadas. De pintores famosos do renascimento, tivemos quadros inacabados, mas que  ninguém, depois deles, se propôs a acabá-los. Em que pesem os “erros” conceituais nas obras de Newton, Galileu, Copérnico, Keppler, Falópio, Descartes, Kant, Nitch, Hegel; nenhum deles teve suas obras alteradas... Outras as atualizaram sem, com isso, precisar reescrevê-las.
Os evangelhos... quantos exegetas e hermeneutas, além de historiadores, apontaram “falhas” de estrutura ou construção historiográfica? Continuam, os evangelhos, intactos, servindo-nos de fonte inesgotável de bons ensinos. Apóstolos, dentre eles Saulo Paulo de João Ferreira de Almeida e, com isso, acabaram com a profundidade semântica do texto). Que novos conhecimentos sejam trazidos a lume; que novas obras, bem fundamentadas no conhecimento científico-filosófico, surjam; que congressos e mais congressos apresentem experimentos científicos, mas que tudo isso seja publicado como obra nova, tal qual tivemos a obra de André Luiz, que nos descortinou o mundo espiritual sem, com isso, “alterar” nada nas obras kardecianas. Talvez seja vaidade intelectual naqueles que se sentem “ridicularizados” com as questões contidas nos livros kardecianos e que hoje não se coadunam com os novos conhecimentos científicos. Isso não diminui, não enfraquece, não ridiculariza a obra primeira, pelo contrário, dá-nos a oportunidade de mostrar que não há cristalização no pensamento espírita, pois obras novas, sérias, se inserem no conjunto espiritista, sem que, com isso, desrespeitem a originalidade das obras primeiras, kardecianas. A base é o ensino trazido a Kardec e por Kardec. Os subsídios ou “complementos” serão frutos de novas e reais descobertas. Aprendamos mais com as obras novas que se mostrarem fundamentadas na boa lógica e nas reais descobertas científicas, sem, com isso, ser necessário mudar, revisar ou atualizar o conteúdo dasobras kardecianas. Tarso, escreveram suas epístolas, suas orientações, trazendo alguns pontos que os evangelhos não abordaram, mas não se propuseram a contraditar nada do que já estava escrito. No Atos dos Apóstolos há os ágrafos, que são passagens sobre Jesus, que não se encontram nos evangelhos. Os escritores da fértil época do Cristianismo nascente, dentre eles Orígenes, Atanásio, Antão, Agostinho e Crisóstemo deixaram bons escritos, bases interessantes para a exegese bíblica e, depois deles, mesmo os reformadores (aqui incluo todos os pensadores, quer protestantes ou não) não reescreveram suas obras, apenas deram seguimento ao conteúdo sem, com isso, fazerem ilações quanto a estarem certas ou erradas, atualizadas ou não.
Assim, não vejo o porquê de tanta celeuma. Deixemos a obra kardeciana intacta, da forma que foi escrita, sem notas de rodapé ou reedições “revistas e atualizadas”. (Fizeram isso, ou seja, atualizaram e revisaram a tradução bíblica de João Ferreira de Almeida e, com isso, acabaram com a profundidade semântica do texto). Que novos conhecimentos sejam trazidos a lume; que novas obras, bem fundamentadas no conhecimento científico-filosófico, surjam; que congressos e mais congressos apresentem experimentos científicos, mas que tudo isso seja publicado como obra nova, tal qual tivemos a obra de André Luiz, que nos descortinou o mundo espiritual sem, com isso, “alterar” nada nas obras kardecianas.
Talvez seja vaidade intelectual naqueles que se sentem “ridicularizados” com as questões contidas nos livros kardecianos e que hoje não se coadunam com os novos conhecimentos científicos. Isso não diminui, não enfraquece, não ridiculariza a obra primeira, pelo contrário, dá-nos a oportunidade de mostrar que não há cristalização no pensamento espírita, pois obras novas, sérias, se inserem no conjunto espiritista, sem que, com isso, desrespeitem a  originalidade das obras primeiras, kardecianas.
A base é o ensino trazido a Kardec e por Kardec. Os subsídios ou “complementos” serão frutos de novas e reais descobertas. Aprendamos mais com as obras novas que se mostrarem fundamentadas na boa lógica e nas reais descobertas científicas, sem, com isso, ser necessário mudar, revisar ou atualizar o conteúdo das obras kardecianas.



quarta-feira, 28 de março de 2012

SERÁ QUE FOI UM PUERIL DEVANEIO?...

 Em face da publicação do artigo o “Mundo do Faz de Conta”, leitores residentes na Europa enviaram-me mensagens inquietantes; vejamos: “Estou plenamente de acordo com tudo quanto afirma e acho até que ficou aquém, pois muito mais haveria para você dizer (...).” “O movimento Espírita europeu “adoeceu” já algum tempo. Diversos e distintos diagnósticos poderíamos fazer. Há competição entre os médiuns, ausência de conhecimento do Evangelho e o pior de todos: o nefasto ideário do “EU SOU O MAIOR” (síndrome de grandeza). Nos últimos 5 anos, instalou-se uma desordem, pois não sabemos diferenciar o JOIO do TRIGO. Recebemos aqui com frequencia espantosa alguns palestrantes que mais fazem turismo nas terras EUROPÉIAS do que difundir Espiritismo. O pior é que esses “oradores” vêm, usufruem da hospedagem e boa vontade e da simplicidade, mas abusam da ingenuidade de alguns confrades anfitriões.”
“Desculpe é um desabafo! Aqui temos o culto aos “deuses médiuns” aquele que é o maior. Vendem milhares de livros por aqui, e o que é mais trágico as obras da Codificação são substituídas pelos livros dos “deuses da oratória”, que objetivam muito mais a vendagem de livros da sua lavra. É um “salve-se quem puder”. Uma hora de palestra e 30 minutos de publicidade e vendagem de livros, CDS, DVDs, revistas. São os mascates estrangeiros que encontram aqui um paraíso de FÉRIAS (de graça) e vendas dos seus produtos.”
Fui dormir preocupado com tudo isso e tive mau sonho. Sonhei que estava imerso em um mundo estranho onde testemunhei fatos que anseio jamais aconteçam no mundo de vigília.
No cenário “onírico” identifiquei esforços para “unir” espíritas, entretanto algo distante de uma programação kardeciana sensata. As representações das trevas empregavam astúcias e encaminhavam seus emissários para cargos de direção dos órgãos federativos.
Os obsessores, como sempre, mostravam-se perspicazes, influentes, instrumentalizados e impetravam desinteligências no movimento doutrinário. Ao oposto de perseguirem articulista inexpressivo tal qual sou, que nenhuma influência exerce no movimento espírita, assestavam, óbvio! Suas armas contra as instituições coordenadoras do movimento doutrinário, e aí transformavam suas vítimas em prestigiosos “diretores”. Deste modo, seus representantes adquiriam mais poder de comando perante os espíritas ignorantes e cometiam irreparáveis estragos ao programa doutrinário.
Só para se ter uma pálida idéia, tais “diretores” ofereciam cartelas de bingo, a R$ 25,00; defendiam Ramatís, como espírito superior; afirmavam que tudo é parte de Deus, inclusive a matéria; Kardec era desconhecido, mas divulgavam pesquisas da ciência como hologramas, Stephen Hawking etc., menos, é claro, o próprio codificador.
Lamentavelmente, as obras espíritas arruinavam-se ao acolher a enxertia dos conceitos e práticas anômalos à singeleza que lhes vigoravam no alicerce. Percebi que adulavam líderes megalomaníacos, encharcados de arrogâncias, que se arvoravam como benfeitores da construção e difusão doutrinárias. No letargo do sonho, ainda consegui perceber que “somente os viajores irresponsáveis escolhiam perlustrar atalhos perigosos e desfiladeiros obscuros, espinheiros e charcos, no labirinto de aventuras marginais, ao longo da estrada justa.” (1)
O panorama dos sonhos estava totalmente contaminado de práticas doutrinárias irregulares e não havia nenhuma perspectiva de melhora; ao contrário, modelos estavam sendo consolidados e havia uma epidemia de expositores afetados surgindo em cada centro espírita, dispostos a copiar o comportamento do endeusado líder-chefe. Foi extenuante testemunhar as sempre passivas idolatrias a esse guia, cheio de autoridade moral, um condutor completamente intocável, cujas sentenças tornavam-se regra definitiva para os dirigentes incautos.
A proeminente e tenaz tática do chefe-famoso era a injunção de um legado espetaculoso de palestras ostentosas, motivo pelo qual os outros copistas permaneciam rasos de conteúdos, hipnotizados sob os grilhões da vaidade. Mas, graças a Deus!, Havia espíritas prevenidos que inquiriam após cada palestra espetacularizada: Falaram de quê? Abordaram que conteúdo?
O adorado líder tinha a empáfia de batizar com o título “PURITANOS” todos defensores da gratuidade dos eventos espíritas , ou seja dos que defendiam um Espiritismo para todos e ao alcance de todos. Tal líder ignorava que na sua ética, Paulo de Tarso não permitiu o mercantilismo do Cristianismo. Pregou o Evangelho gratuitamente (2) e justificou tal atitude: “Pregamos o Evangelho a vocês, trabalhando de dia e de noite, a fim de não sermos peso para ninguém”.(3)
Na contramão da advertência do Convertido de Damasco, os pretensos expositores, em seguida aos shows das palestras (cantadas, recitadas, declamadas, gritadas etc... etc... etc. ) , quais ambulantes de feira livre, punham à venda seus DVDs, CDs, livros etc., enfim, com toda a tralha para a comercialização, gastavam tempo precioso promovendo suas quinquilharias “doutrinárias”, muitas vezes em centros espíritas pobres, simples, escassos de recursos. Entretanto, curiosamente, os dirigentes de tais centrinhos sentiam-se orgulhosos porque trouxeram um nome “famoso” para a instituição que dirigem.
Nos imagos oníricos, portanto, lidava-se com os egos de dirigentes e palestrantes, e pouquíssimas exceções estavam sintonizados com os Benfeitores. Infelizmente os oradores modestos, despretensiosos, sinceros, importantíssimos para o engrandecimento do Espiritismo eram desprezados. Quase todos os pregadores encontravam-se instilados pelas presunções, pelas ribaltas e holofotes da glória, sobretudo pelos aplausos inférteis. Sem nenhum pudor os mais famosos exigiam reverências e bajulações desenfreadas.
Não era assegurada a simplicidade e a pureza dos princípios espíritas nos núcleos e associações doutrinários, por isso suas atividades não atingiam a meta da libertação espiritual dos frequentadores. Estes contemporizavam com todo tipo de profissionalismo religioso e nem se atreviam a arguir porque, se interrogassem o líder-venerado, estariam questionando os que o apoiam, sabiam que perderiam amigos e, por isso, silenciavam. Ou ainda porque lhes interessava algum lucro divulgando os “produtos” do líder-mor, seja lucro financeiro ou mesmo o que vem da pura vaidade, da notoriedade, pois quem adentrasse o meio espírita, se não citasse o líder-chefe, se não divulgasse os eventos de que ele fazia parte, se não apoiasse quem o apoiava, transformar-se-ia em proscrito, deixado de lado por todos os idólatras.
Presenciei um palestrante implorando junto ao público uma colaboraçãozinha de recursos financeiros a fim de "ajudá-lo" nos projetos “assistenciais”, visando adquirir microfones, tripés de luz, computadores e quejandos. Tal palestrante fazia um showzinho particular com direito a jogos de imagens e músicas, para “agradar” a todos, passando a idéia de apurado bom gosto, mas na realidade estava querendo “encher linguiça” (como se diz na gíria popular), com várias cantorias e apresentações.
Lá não se tinha o alcance moral para entender que zelo pela pureza e simplicidade doutrinária não é intolerância, fanatismo e nem rigorismo de espécie alguma, porquanto, agir de outro modo é o mesmo que “devolver um mapa luminoso ao labirinto das sombras, após séculos de esforço e sacrifício para obtê-lo, como se também, a pretexto de fraternidade, fôssemos obrigados a desertar do lar para residir nas penitenciárias; a deixar o caminho certo para seguir pelo cipoal; a largar o prato saudável para ingerir a refeição deteriorada e desprezar a água potável por líquidos de salubridade suspeita.” (4)
Havia uma neurastenia generalizada em torno das temáticas: “terra em transição”, “final dos tempos”, cujos enredos catastrofistas atrofiavam mentes fanatizadas. Alguns neuróticos esquadrinhavam respaldo (acreditem!) no célebre clichê: “Chico Xavier me contou” para corroborar as afirmações ( supostamente“reveladas” pelo médium de Uberaba nos colóquios íntimos), sobre bizarras profecias espalhafatosas, com datações e outras pérolas sobre o trági(cômico) amanhã da Humanidade.
De manhãzinha, ao despertar do sono, identifiquei que a experiência onírica evidenciava muitas práticas indesejáveis que é urgente se evitem na Terra. E se tais práticas ocorrerem, alguém precisa denunciar, para não ser apenado por omissão. “Todos os espíritas que, de coração, vigiam para que a Doutrina não seja comprometida, devem, sem hesitação, denunciá-las [práticas estranhas], tanto mais porque, se algumas delas são produtos da boa-fé, outras constituem trabalho dos próprios inimigos do Espiritismo, que visam desacreditá-lo e poder motivar acusações contra ele. Eis porque é necessário que saibamos distinguir aquilo que a Doutrina Espírita aceita daquilo que ela repudia”. (5)
Somos daqueles que preferem a análise construtiva para quaisquer tarefas doutrinárias, e não cultivamos paternalismo ou mimos impróprios, não aveludamos consciências junto a irmãos de nosso convívio, “em vista de reconhecermos que nenhum bem se fará sem trabalho disciplinado; entretanto, não podemos esquecer que muitos companheiros se marginalizam nos compromissos por não conseguirem suportar o malho da injúria, o frio da desconsideração e do abandono, a supressão de meios justos para o exercício das funções a que foram chamados e as lutas enormes, decorrentes das armadilhas de sombra, de que muitos não conseguem escapar, hipnotizados pelos empreiteiros da obsessão. (6)

Jorge Hessen
http://jorgehessen.net


Referência:

(1) Xavier , Francisco Cândido e Vieira Waldo. Opinião Espírita, ditados pelos Espíritos Emmanuel e André Luiz, São Paulo, Editora: Boa Nova - 1ª edição agosto/2009, Item 25 - PRÁTICAS ESTRANHAS
(2) 1Cor 9,18
(3) 4 1Ts 2,9
(4) idem
(5) (Allan Kardec, Viagem Espírita em 1862. Instruções Particulares. VI.)
(6) Xavier, Francisco Cândido. Companheiros, ditado pelo Espírito Emmanuel, São Paulo: IDE 1977, cap. MÉDIUNS NA TERRA

terça-feira, 27 de março de 2012

O Espiritismo e os vários "fins do mundo"

Artur Felipe de Azevedo Ferreira



Vem dos idos de 1950 a tentativa de tornar o movimento espírita um disseminador de previsões catastrofistas de "fim dos tempos". Para muitos que ainda não haviam estudado e aprofundado conhecimentos da Codificação Espírita, as previsões atribuídas aos Espíritos, alguns deles tidos como superiores apenas pelo fato de serem espíritos ou terem sido apresentados como tal, representavam a confirmação das profecias de João, o Evangelista, contidas na Bíblia, ou ainda das previsões de Nostradamus, Edgar Cayce, entre outros.

Embalados pelo livro "Mensagens do Astral" de Hercílio Maes/Ramatis (1956), passou-se a divulgar que o fim dos tempos estava próximo devido à suposta aproximação de um enorme astro que provocaria a elevação abrupta do eixo terrestre, causando destruição por toda parte e ceifando a vida de 2/3 dos habitantes do planeta até o ano de 1999. Muitos indivíduos e instituições, espíritas ou não, compraram a ideia. Um dos primeiros foi Alziro Zarur, fundador da LBV (Legião da Boa-Vontade), que através de seus programas radiofônicos diários anunciava que deveriam todos se acautelar, pois de 1000 havia passado, mas de 2000 não passaria. Outro que, desta feita em nome do Espiritismo, passou a divulgar as catástrofes vindouras foi Edgard Armond, que, conforme já estudamos no artigo "Universalismo e Movimentos Cismáticos", admirava e acreditava nos escritos atribuídos ao espírito Ramatis.

No entanto, os anos de 1999 e 2000 se passaram e nada de extraordinário aconteceu. Terremotos, erupções vulcãnicas, maremotos, enfim, toda uma série de eventos ocorreram como desde sempre se deram na face do planeta, sem que 1% do que fora previsto por Ramatis tivesse ocorrido.Porém, como é típico dos que não querem, por orgulho ou vaidade, dar o braço a torcer, ou mesmo não querem abjurar de suas ideias fantasiosas para encarar a realidade, vieram as justificativas e a tentativas de encontrar novas datas para a ocorrência dos desastres, julgados capazes de tornar o mundo melhor pela "expulsão" dos "maus" para que o "bons", finalmente, predominem na Terra.

Nada disso, contudo, é novidade e muito menos tem algo a ver com o Espiritismo.Às vésperas do ano 1000, por exemplo, teóricos do apocalipse já previam a hecatombe, mas, como nada aconteceu, a data "certa" passou a ser 1033, isto é, 1000 anos após a morte de Cristo. Em 1524, astrólogos previram o início do fim do mundo para 1º de fevereiro com uma inundação em Londres. Como nenhuma gota caiu na cidade naquele dia, a justificativa dada foi que houve um erro de cálculo. O "certo" era 1624. Em 1533, Melchior Hoffmann previu que o mundo seria consumido pelas chamas. Ao final, nada aconteceu, e ele foi preso e morreu na prisão. Poucos anos depois, em 1537, o astrólogo Pierre Turrel afirmou dispor de quatro datas para o fim do mundo: 1537, 1544, 1801 e 1814. Acabou ficando para a história como o que mais datas usou para safar-se do vexame. Cento e onze anos depois, em 1648, o judeu Sabbatai Zevi se auto-intitulou o próprio Messias, que desta feita viria para expulsar os maus da Terra. Como naquele ano nada aconteceu, previu o apocalipse para 1666 e acabou preso. Decepcionado, converteu-se ao Islamismo.

Em 1736, o teólogo William Whiston, repetindo o mesmo erro de 1524, anunciou que em 13 de outubro haveria uma gigantesca inundação, fazendo com que o rio Tâmisa lotasse de embarcações em rota de fuga. Como ocorrera em 1524, no dia anunciado da catástrofe sequer choveu. Em 1843, o líder adventista William Miller previu o apocalipse para 3 de abril, depois 7 de julho, depois 21 de março de 1884 e, finalmente, 22 de outubro. Desacreditado, morreu cinco anos depois da última previsão. Em 1881, alguns egiptólogos previram o fim do mundo baseados em alguns escritos encontrados. Refizeram as contas, mudando o ano do fim para 1936. Obrigados pelas circunstâncias, reformularam as previsões, empurrando-as para 1953. No início do século XX, foi a vez dos Testemunhas de Jeová. Foram três os anos previstos para o fim, todos obviamente errados: 1874, 1814 e 1975. Já ao final do século XX, no ano de 1980, um presságio astrológico árabe dizia que o mundo deveria se preparar para uma catástrofe devido a uma conjunção de Júpiter e Saturno em Libra.

Chegando em 1999, os crentes nas previsões de Nostradamus davam como certo um cataclismo em 10 de março. Atribuíram o erro ao próprio Nostradamus. Em 2000, teóricos do apocalipse disseram que o juízo final ocorreria 2000 anos depois de Cristo. Como aconteceu no ano 1000, a previsão "pulou" para 2033. E, mais recentemente, como todos sabem, são as profecias maias as utilizadas para novamente espalhar o temor.

Caminham com certeza para o fracasso, pois nem mesmo os maias afirmaram que o fim de um de seus três calendários representava o fim do mundo.Já a visão apocalíptica disseminada no meio espírita (e não amparadas pela Doutrina) tenta ser mais "light" nas previsões, uma vez que não seria o fim do mundo, mas apenas uma sucessão de catástrofes que provocaria uma seleção entre espíritos mais adiantados e mais atrasados. No entanto, apesar da sutil diferença, as previsões não têm se mostrado menos equivocadas. Diversos membros do movimento ramatisista, uma espécie de seita que diz divulgar o Espiritismo, mas que vive batendo na tecla de estar a Codificação ultrapassada, e que se auto-intitulam "universalistas crísticos" ou simplesmente "espíritas universalistas", ainda hoje insistem em disseminar as previsões contidas nos livros de Ramatis.

O tema é tratado abertamente em revistas, sites,programas de TV e Congressos do movimento ramatisista, como se as ditas previsões já não estivessem se esboroado. Exatamente como no passado, a tática é encontrar explicações pretensamente racionais ao não cumprimento das profecias e, logicamente, informar novas datas.

O primeiro a se arriscar foi o "médium" universalista Roger Bottini, que em seu sítio na internet afirma que está tudo certo para 2036. Vai ter bastante tempo para pensar numa explicação "plausível" para o não cumprimento da previsão...Na verdade, o que ocorre com os indivíduos que acreditam nessas previsões, sejam elas vindas numa embalagem religiosa ou não, é que esses não desistem de sua crença, mas, ao contrário, mais se aferram a ela. Há um caso clássico relatado no livro "Quando a profecia falha", de Leon Festinger, em que ele e seus colegas se infiltram em uma seita do fim do mundo composta de 15 pessoas. Eles acreditavam que uma mulher recebia mensagens de extraterrestes e que o mundo acabaria, segundo eles, em 21 de dezembro de 1954. Antes da catástrofe, eles seriam resgatados pela nave-mãe e levados para um lugar seguro.

Como nada aconteceu, a mulher que se comunicava com os "ETs" disse ter recebido uma nova comunicação, em que o grupo era elogiado por ter espalhado tanta "luz" com suas orações que Deus havia decidido cancelar a destruição do mundo. Haviam, pois, encontrado um meio de acreditar na profecia.Pode-se perceber também que, direta ou indiretamente, os crentes no "fins dos tempos" colocam-se invariavelmente numa posição de "salvos" e "direitistas do Cristo", enquanto que quem não acredita geralmente é posicionado como herético, descrente e "esquerdista do Cristo".

O fim desses últimos deveria ser mesmo morrer, sem dó nem piedade, na visão dos extremistas. Já os primeiros nem cogitam da hipótese de morrer, pois, como são muito "bonzinhos", herdarão a Terra renovada.Mais recentemente, surgiu a notícia, comentada por mim no artigo "Chico Xavier e as confusões apocalípticas" que o médium Chico Xavier também teria feito uma previsão de grandes acontecimentos para 2019 e que o Brasil será praticamente poupado da hecatombe, já que aqui é o "coração do mundo, pátria do Evangelho"... Só faltou dizer que Deus é brasileiro.

Em meio a tantos absurdos, só nos resta afirmar categoricamente: não há absolutamente nada na Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec, que possa servir de embasamento para tais ideias e previsões. O Espiritismo trata da Lei do Progresso, em que os mundos são como escolas e os espíritos pouco a pouco vão se aperfeiçoando em moral e inteligência a fim de ascenderem a outros mundo mais evoluídos. Diz também que, muitas das vezes, conflitos de ideias acabam sendo o móvel necessário para o progresso geral das sociedades humanas, infelizmente descambando, por vezes, em guerras fratricidas.Allan Kardec, na Revista Espírita de agosto de 1865, ensina: "O Espiritismo tem como objetivo a regeneração da Humanidade: isto é um fato constatado.

Ora, não podendo essa regeneração operar-se senão pelo progresso moral, daí resulta que seu obje­tivo essencial, providencial, é o melhoramento de cada um."Não será justo que agora, em que mal as ideias espíritas tornam-se conhecidas e a humanidade em geral sinaliza uma mudança para melhor, mesmo que lenta, haverá Deus de destruir o planeta, como um pai que espanca o filho na tentativa de educá-lo de um dia para o outro. A humanidade tem muito a caminhar, sendo que a Natureza não dá saltos. Tudo tem seu tempo: o plantio e a colheita. As previsões do apocalipse geralmente são cridas por quem acha que a colheita possa vir antes da germinação. Definitivamente, não é isso que nos ensinam os Espíritos (verdadeiramente) superiores.
Análise crítica dos livros assinados pelo espírito Ramatis.

segunda-feira, 26 de março de 2012

O ANTI-CRISTO INVADIU O ESPIRITISMO


Margarida Azevedo

Portugal

O movimento espírita está cada vez mais envolvido numa espécie de teia complexa de onde emerge um submovimento que está a tomar proporções verdadeiramente alarmantes, mercê das ideias e da prática que delas resulta. Tal não surge porque alguém se lembrou de afirmar que Emmanuel é o quinto evangelista, ou que Francisco Cândido Xavier é a reencarnação de Kardec. Tais afirmações são apenas um resultado e não o princípio, pois que o problema é bem mais complexo.
Desde a aceitação cega e incondicional de tudo o que por aí se escreve, venha ou não por via psicográfica, esses falsos espíritas criaram uma espécie de elite mediúnica em que só determinados médiuns são credíveis, sejam eles palestrantes, psicógrafos ou passistas. Como vivemos na época dos ídolos, dos líderes e das imagens de marca, pretendem eles que o Espiritismo também tenha os seus. Ora, nem Fancisco Cândido Xavier nem Emmanuel são ou serão imagem de marca do Espiritsmo. E quem diz destas duas almas diz de quem quer que seja. A Doutrina nada tem a ver com tais vaidades.
Se tomarmos em consideração a personalidade dos iluminados que produzem tais slogans publicitários, verificamos que algumas características comuns: imposição dos seus ideais, agressividade para com aqueles que tentam desmascará-los nos seus intentos, chantagem doutrinal, como por exemplo, cínica alusão aos falsos profetas, aos lobos com pele de cordeiro, vitimizando-se dos maus pendores em consequência da maldade que, no seu pensar limitado, impera nos Centros.
Face a esta realidade, não tenho dúvidas em afirmar que o submovimento em causa saíu directamente das entranhas do anti-Cristo. O que quer isto dizer? Que se está a fazer o contrário do que Jesus ensinou, daquilo a que a Codificação exorta, donde resulta a falta de amor incondicional a Deus e ao próximo como a si mesmo. Trata-se de gente que perdeu o temor a Deus, que nada tem a ver com a Doutrina.
Mas as aberrações não ficam por aqui. Um dirigente de um centro espírita disse-me peremptoriamente: “Não precisamos da Bíblia para nada. São textos muito antigos, de quando a humanidade ainda estava muito atrasada. O Espiritismo dispensa-os pois o Espírito de Verdade diz-nos tudo o que precisamos de saber” , acrescentando ainda que, “quanto aos passes, quantos mais melhor” (assunto que ficará para outra ocasião). Esquecendo-se de que Jesus tinha a Bíblia hebraica como o seu texto sagrado, a que faz referência nas suas mesmas explanações (Mt 5:21-22;27-28;31-32;33-37;38-48.6:28-29.17:3-4; 11-13. 18. 19:4-8;22-29;31-32;36-40; 41-46. Mc 7:6-8;10.9:4;10;12-19;35-37. Lc 1:69; 16:19-31;17-32;20:28. Jo 1:17; 21; 7:10;22;42;8:57-58;10:22;34-35;12:14-15), referindo-a nos próprios Mandamentos, como em Mt 22:36-40:” Mestre, qual é o grande mandamento na lei? E Jesus disse-lhe: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento. Este é o primeiro e grande mandamento. E o segundo, semelhante a este é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos depende toda a lei e os profetas.”; não lhe passando pela cabeça que os primeiros cristãos a tinham igualmente como as suas Escrituras e que o Evangelho Segundo o Espiritismo a cita também (Is 26:19. Job 14:10-14, cap. IV, “Ninguém pode ver o reino de Deus, se não nascer de novo”, p.69. Ex XX:12 Decálogo, cap. XIV, “Honra a teu pai e a tua mãe”, p.195), o dirigente ignorante, que certamente nunca leu uma linha da Bíblia, desconhece o quanto os seus escritos estão actuais. Além disso, não é possível perceber o Jesus histórico sem ter uma noção, ainda que rudimentar, do contexto em que este se situa, quer em termos religiosos, quer em termos sociais e políticos. Não é possível perceber minimamente o papel de Jesus sem o contextualizar nas Escrituras do Primeiro Testamento de que ele é um fervoroso comentador.
Além disso, porque o Espiritismo está completamente isolado das outras doutrinas, desconhece o referido dirigente, e com ele a esmagadora maioria dos espíritas, que os estudiosos das doutrinas não estudam apenas os textos em que elas se fundamentam. Todo e qualquer estudioso sério debruça-se atentamente sobre os textos das outras doutrinas, claro está, não para as combater mas para as compreender e saber situar-se perante elas..
Por outro lado, se vamos por uma questão de antiguidade, então o Evangelho Segundo o Espiritismo é obra a abater também, pois que afirma explicitamente que “O Espiritismo se encontra por toda a parte, na antiguidade, e em todas as épocas da humanidade.” (idem, p. 18); que Sócrates e Platão são os “precursores da Doutrina Cristã e do Espiritismo (idem, p.31).
Mas isto no que se refere apenas a questões doutrinárias. Se entrarmos no campo da mediunidade, o Espiritismo vai ainda mais longe pois ao encontrar-se em todas as épocas da Humanidade, ele está presente “...nos escritos, nas crenças e nos monumentos, e é por isso que, se ele abre novos horizontes para o futuro, lança também uma viva luz sobre os mistérios do passado.” (idem, p.18). Isto significa que a mediunidade faz parte da História Universal, e que é impossível percebê-la a partir somente da Codificação, a menos que na mesma leva se deitem para o lixo os livros de História Universal. Com ela se aprende que a qualidade mediúnica nada tem a ver com as épocas, mas tão somente com o modo como é exercida. E aqui, a avaliar pelo que se está a fazer dentro do Espiritismo, não tenho dúvidas de que os pretensos sábios têm muito a aprender com os antigos modos de a exercer. Só para citar um exemplo, a consulta dos oráculos na Grécia antiga é infinitamente mais rica que a não assumida pseudo-consulta aos Espíritos feita em psicografias, na maioria falsas, que nos chegam em livros caríssimos com os quais os Centros fazem um brutal negócio e cujo resultado é isso mesmo, espalhar a mentira, introduzir no movimento espírita a desunião, o desentendimento e separar o que em nome de Jesus devia estar unido.
Por outro lado, a afirmação de que a Bíblia não serve para nada significa entrar em conflito com as organizações religiosas que a têm como o seu texto sagrado. Sendo o Espiritismo uma doutrina aberta e respeitadora de todas as ideologias religiosas, esses que fazem tais afirmações dão uma imagem falsa do movimento espírita, além de manifestarem uma profunda falta de respeito pelos parceiros religiosos das outras confissões.
Entregues à avidez de protagonismo, dito em português suave, subdividiram o movimento em tantos grupos quantos os interesses de quem pretende denegrir uma doutrina respeitável.
Assim, temos as associações de tudo e mais alguma coisa, dirigidas por magníficos, por extraordinários, por grandes tribunos, por excelentes cuja presidência foi conquistada à custa de horas perdidas em reuniões onde toda a gente “botava faladura”, e onde todos queriam chegar ao nobre cargo. Mas como a porta é estreita, claro está que só os mais, os super bons atingiram o tão almejado podium.
Temos assim os excelentíssimos senhores e as excelentíssimas senhoras presidentes, que escrevem muitos livros ditados por Entidades famosas, que não dão vazão a tantas solicitações, que correm seco e beco a ensinar como dirigir, mandar, modernizar, desenvolver tudo e mais alguma coisa dentro do movimento; que criam normas e máximas que todos devem cumprir, sob pena de estar tudo em muito mau astral. São eles que fazem as limpezas morais dentro do Espiritismo, que se encarregam da nobre missão, e tão nobre que ela é, de expulsar tudo o que está podre, excumungando gente séria. São “venerados e adorados, os protegidos” dos Espíritos superiores, cujas comunicações são incontestavelmente escritura sagrada. Têm sempre a última palavra, nada têm a aprender, são correctíssimos, pois a sua nobilíssima missão confere-lhes uma aura protectora de tal modo forte que não há nada negativo que entre com eles.
Promovem encontros de trabalho em locais caros de ambiente hollywoodesco, onde se paga bem, pois não brincam em serviço; maldizem de quem se lhes opõe, vendo em tudo e todos um inimigo em potência, uma vez que pode fazer vacilar a sua permanência no cargo ou denunciar a sua inutilidade.
Esses falsos espíritas não acreditam no Espiritismo nem o compreendem. São forças ao serviço do Mal. Não tenho dúvidas de que se muitos os vissem nas suas auras, bem como àqueles a que dão crédito, fugiam a sete pés. São desconfiados e vaidosos, usam uma linguagem confusa e pouco ou nada sabem da Doutrina. O que pensam saber é para ser usado contra os irmãos que abnegadamente trabalham com dedicação na Casa espírita. São manipuladores, perigosos, mentirosos e facilmente levantam falso testemunho de quem quer que seja. Não olham a meios para atingir os fins. Alguns falam com voz mansa, muito terna; são os mais disciplinados nos Centros porque fanáticos na intransigência. Têm resposta pronta para todas as perguntas, resolvem todos os problemas porque, no seu pensar mesquinho, tudo é por demais ridículo. Possuem uma lógica insana e justificam os problemas de forma fria, calculista e culpabilizadora, terminando os seus discursos com, mais ou menos repticiamente, alusões ao fim do mundo, no intuito de assustar o auditório tentando fazer da Doutrina um movimento apocalíptico.
Este grupo está a ganhar adeptos de dia para dia, força e solidez na tentativa de deitar por terra o Espiritismo. Mas, como quem por Deus anda por Deus acaba, não tenho a menor dúvida de que o outro lado, aqueles que lutam pelo bem, que pretendem seguir e dar exemplo de um Jesus verdadeiramente tolerante, criador de uma doutrina baseada no amor entre todos os seres da Criação, integralista e pluralista, vencerá pelo seu silêncio, pelo muito trabalho em prol do próximo e da verdade, da fraternidade e da paz entre todos os povos.
Quem não entender que Jesus veio dar o exemplo de um amor incondicional, muito para lá das doutrinas, e que transcende esta mesma existência, donde a sua morte foi um acto de amor sublime, e a sua reaparição três dias depois a maior esperança e certeza de uma vida que não se esgota na morte; quem não entender que não somos nada neste emaranhado complexo que é o universo que nos rodeia; quem não entender que não passamos de meros aprendizes e que só com o outro somos seres éticos, quem não perceber que a caridade só salva quando feita com amor e quando exercida com um intuito libertador para aquele que a recebe; quem não entender que o outro não é um meio mas um fim, que ele não pode ser usado como chave-mestra dos males que lhe são alheios; quem não perceber que o outro não é sabão para limpar a alma de ninguém; quem ainda teimar em continuar a usar a Doutrina como um processo de comunicação com os Espíritos privilegiado face às outras doutrinas, quem não entender isso é uma força das trevas, um ser perigoso, um agente ao serviço do Mal.
Não se pense que os há apenas dentro do Espiritismo. O modus operandi dessas Entidades encarnadas é idêntico em todas as doutrinas, o que está a levar à crise de vocações, de valores, de objectivos verdadeiramente santificantes. O que estou a dizer do Espiritismo digo-o para todas as correntes religiosas. As Entidades negativas e os respectivos comparsas encarnados agem em todas as frentes. Os religiosos convictos sabem perfeitamente que o mundo precisa do pluralismo religioso para conduzir a Humanidade a bom porto; que ninguém caminha sózinho e as doutrinas, enquanto meios, caminhos, hipóteses também não. O fanatismo e o fundamentalismo estão a criar a insegurança, a pôr em causa os princípios de fraternidade, coexistência pacífica e harmoniosa entre as doutrinas. Os espíritas têm que perceber que o Espiritismo não é o futuro da Humanidade, como não o é qualquer outra doutrina à face da terra. Como será o futuro religioso e a espiritualidade ninguém o sabe. Os movimentos existentes são todos caminhos para Deus em idênticas condições. É o bem que cada um faz que o ergue às mais altas falanges, e não o facto de pertencer a esta ou àquela doutrina. A nossa diferença nos caminhos que seguimos é uma questão de sensibilidade, não de evolução, como se diz à boca cheia dentro do Espiritismo. Se os seres das trevas agem de forma idêntica em todos os grupos, o mesmo acontece com os que estão ao serviço do Bem pois que Deus está em toda a parte. Se todos estamos neste mundo é porque estamos sensivelmente ao mesmo nível. Não há superiores nem inferiores.
Assim sendo, permita-me, amigo Leitor, que diga o seguinte:
O Espiritismo é uma doutrina de paz e esperança. Não é uma doutrina apocalítica e como tal não pretende angariar adeptos à custa do medo do fim do mundo. O Espiritismo combate o medo, fortalecendo cada um na sua fé. Como? Primeiro, ao defender que a vida não começou nem acaba neste mundo terreno em que vivemos; segundo, que somos portadores de vivência, experiências acomuladas, saberes que fomos conquistando ao longo de tempo imemorial; terceiro, que vale a pena lutar por nos tornarmos melhores. Em que se baseia o Espiritismo para promover tais princípios? Em primeiro lugar nas máximas de Jesus, donde Kardec foi um dos seus leitores, acolitado por Entidades que vieram dar, à altura, os esclarecimentos às questões que se colocavam na época (séc. XIX) tendo-se prolongado algumas até aos nossos dias.
Esta doutrina é um movimento no mais amplo sentido do termo. Está aberta a toda a gente, não discrimina ninguém, uma vez que o Centro espírita é uma casa de oração, de recolhimento e de bem-fazer.
Quanto aos que trabalham ao serviço das trevas, a oração benevolente encarrega-se de esclarecer aquele que ora, em todos os grupos religiosos. A aura protectora da oração e do bem fazer baseia-se no desmascarar de quem trabalha ao serviço das negatividades. Por isso, é de oração que o mundo precisa.

A “REFERENCE CENTER” AT UERJ - PREVENTING JUDICIAL DEMANDS






ABSTRACT



http://orebate-jorgehessen.blogspot.com.br/


http://orebate-jorgehessen.blogspot.com.br/2012/03/bioetica-biodireito-e-microbiologia.html


Errors committed at microbiology diagnostic laboratories may lead to judicial actions. Here we discuss the importance of prudence, diligence and expertise to the prevention of these demands. We used the diagnostic of diphtheria as model and discussed the error possibilities through its fases, examining the necessity of microbial identification beyond genus. We analysed the practical results published in specialized scientific journals – in Brazil and abroad – by the National Reference Center for Diphtheria created in the decade of 80 by the Ministry of Health and located at the Faculty of Medical Sciences of the Rio de Janeiro State University. Thus, we found the orientations to higher precision in the diagnostic of this disease. Such orientations were directed to Public Health Laboratories and reached both social and legal aspects in a tangential way. We could write down the hindrances and problems linked to the prevention of epidemic outbreaks and also the solutions to qualify and improve the skills of the professionals involved in this biomedical practice, where imprudence, negligence and unskilfulness must be extirpated.


Key- words: Medical Microbiology, Bioethics, Biolaw.

domingo, 25 de março de 2012

UM “CENTRO DE REFERÊNCIA” NA UERJ (*) PREVENINDO DEMANDAS JUDICIAIS



Luiz Carlos D. Formiga

Professor Associado. Aposentado. Bacharel em Direito. Faculdade de Ciências Médicas - UERJ


RESUMO

Erros cometidos no laboratório de diagnóstico bacteriológico podem dar origem a ações judiciais.

Discutimos a importância da prudência, da diligência e da perícia na prevenção dessas demandas.

Como modelo, utilizamos o diagnóstico da difteria, discutimos as possibilidades do erro nas suas fases examinando a necessidade da identificação microbiana, além do gênero.

Analisamos os resultados práticos publicados em revistas especializadas, no Brasil e no exterior, pelo Centro de Referência Nacional do Ministério da Saúde, instalado na década de 1980, na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Desta forma, encontramos as orientações para maior precisão no diagnóstico desta doença.

Essas orientações dirigidas aos Laboratórios de Saúde Pública atingiam de forma tangencial o aspecto social e legal. Pudemos anotar os entraves e os problemas ligados a prevenção de surtos epidêmicos e também as soluções apontadas para capacitar e apurar a perícia dos profissionais envolvidos nesta prática biomédica, onde a imprudência, negligência e a imperícia devem ser extirpadas. (*) http://www.faperj.br/boletim_interna.phtml?obj_id=338 Palavras chave: Microbiologia Médica, Bioética, Biodireito 1.

INTRODUÇÃO.

Apresentação do tema Há uma crescente preocupação internacional na identificação de princípios universais, tendo como base valores éticos compartilhados. Essa inquietação nos pede para identificar os desafios que vem surgindo com a ciência e a tecnologia e a pensar na responsabilidade com as futuras gerações. Por outro lado, desafios antigos aparentemente afastados insistem em retornar. Questões da Bioética, que eventualmente apresentam dimensão internacional, precisam ser examinadas considerando princípios estabelecidos nos tratados e convenções, uma vez que podem apresentar impacto sobre comunidades (12, 17).

Tanto no campo biomédico, quanto no bioético importa não esquecer que o indivíduo inclui em sua natureza dimensões diversas, tais como as biológicas, psicológicas, sociais, culturais e espirituais. Essas dimensões nos fazem crer que a sensibilidade moral e a reflexão ética são partes do processo de desenvolvimento científico e tecnológico, onde a Bioética e o Biodireito (3, 23) desempenham papéis importantes. Todo ser humano deve se beneficiar dos padrões éticos de maior nível nas ciências biomédicas (3) Este estudo trata da prudência, da diligência e da perícia no laboratório de Bacteriologia Clínica que por sua especialidade, manipula materiais patológicos colhidos de seres humanos e portan
11 to, deve também considerar a dimensão social e a legal. Dirigido aos Laboratórios Centrais de Saúde Pública e aos laboratórios de instituições públicas e privadas que desenvolvem atividades de bacteriologia clínica, procura valorizar e promover o respeito pela dignidade da pessoa humana representada por materiais que foram colhidos da intimidade de seus corpos, de modo a assegurar o respeito pela vida.

Este artigo procura incentivar o diálogo multidisciplinar entre os que acreditam que o estar doente representa uma cidadania mais onerosa, com destaque para o emocional. Aponta para a dimensão biológica sem esquecer o aspecto biográfico do paciente. Enfatiza alguns princípios, entre outros, por causa de sua imediata relevância. Assim, a dignidade humana e os direitos humanos foram privilegiados, pois devem ser respeitados pelos que estão envolvidos nesta prática laboratorial. Fazendo surgir a reflexão entre o benefício, que deverá ser maximizado e o dano a ser minimizado. Considerando a onerosidade do paciente, chama a atenção para o respeito pela vulnerabilidade aumentada de determinados grupos humanos, eventualmente representados, nas doenças infecciosas, pelas populações mais carentes da comunidade.

Os Laboratórios de Saúde Pública são representantes dos serviços públicos junto à população geral e devem ter em mente a promoção da saúde e o desenvolvimento social que são os objetivos centrais dos governos. Precisamos considerar que um dos direitos fundamentais do ser humano é o de usufruir o mais alto padrão de saúde. Só aparentemente o laboratório de bacteriologia médica apresenta papel secundário, pois existem outras situações onde pode desempenhar papel de relevância, o que adiante discutiremos. A conduta técnica do laboratório ganha maior destaque quando a clínica se encontra em dúvida, tendo que decidir pela aplicação da terapêutica específica, o que pode desencadear efeitos secundários, como o choque anafilático. A Difteria e a potente virulência de seu agente etiológico - Corynebacterium diphtheriae, está minuciosamente descrita (11, 13, 14, 19, 20, 21, 22). O bacilo diftérico pode causar infecção em vários órgãos e tecidos, mas a forma clínica mais freqüente e mais grave é a faríngea, denominada angina diftérica. As manifestações são principalmente devidas a uma potente exotoxina. Amostras não produtoras de toxina também podem causar o processo infeccioso. Assim, outros fatores, distintos da toxina, devem ser considerados. O diagnóstico laboratorial é feito com material retirado das lesões existentes, exsudatos de orofaringe e de nasofaringe, que são localizações mais comuns, ou de outras, conforme o caso, por meio de swab, antes da administração de qualquer terapêutica antimicrobiana. A bacterioscopia tem apenas valor presuntivo. A cultura deve ser feita por semeadura da secreção nos meios específicos. As colônias isoladas e suspeitas irão para teste de triagem, produção de porfirina e toxina. Amostras não produtoras de toxina, porém fluorescentes, necessitam estudo adicional, pois podem ser bacilos diftéricos atoxinogênicos, rotulados como “avirulentos“ porque produzem manifestações clínicas discretas e localizadas, embora em algumas ocasiões produzam doença grave. O erro técnico pode ocorrer em diversas fases da evolução clínica da doença. B. Justificativa e objetivo do estudo. O erro biomédico laboratorial pode casar confusão no momento da escolha do tratamento, o que pode ter funestas conseqüências em relação à saúde do paciente. Embora já se tenha dito que “o Brasil não está longe de atingir a perfeição no tratamento de saúde”, a realidade é que hoje o nosso sistema de serviços públicos está em fase de declínio. Nossa Rede de Laboratórios de Saúde Pública apresenta carências e diferentes realidades. As condições de trabalho encontradas em vários laboratórios podem ser inadequadas. Em se tratando da Microbiologia Clínica o erro técnico também pode ocorrer pela ausência de especificação ou pela desvalorização do achado laboratorial.

Todo cidadão tem responsabilidades para que seu tratamento aconteça de forma adequada. O laboratório, muitas vezes, é veículo imprescindível para alcançar esse objetivo. Com a ajuda de um destacado caso clínico ocorrido em 2001 (18) vamos iniciar a discussão sobre a responsabilidade civil do profissional de laboratório. Estamos diante de um diagnóstico, onde o bacilo diftérico pode ser confundido com outros micro-organismos (12, 17), situação que, por imprudência, imperícia ou negligência, pode conduzir o profissional ao erro técnico. Alertá-lo em relação a eventuais demandas judiciais é tarefa de relevância e certamente estaremos contribuindo para incentivar o estudo continuado. Nosso objetivo é analisar a necessidade de especificação bacteriana para o adequado tratamento e evitar aborrecimentos judiciais.

Almejamos introduzir a discussão sobre o erro laboratorial e a Responsabilidade Civil no diagnóstico bacteriológico na Microbiologia Médica (4). C. Hipótese e questão problema. O Centro de Referência Nacional produziu eficaz, eficiente e efetiva orientação para o diagnóstico laboratorial da difteria (6, 7, 8). Isto parece relevante e também fundamental na prevenção do erro do profissional e das demandas judiciais. A orientação oferecida pelo Centro de Referência de Difteria do Ministério da Saúde se cumprida com prudência, diligência e perícia será capaz de mitigar o erro laboratorial e prevenir essas demandas? A imprudência, a negligência e a imperícia podem conduzir ao erro no diagnóstico laboratorial microbiológico. Quais as implicações em termos de Responsabilidade Civil deste profissional de saúde? D. Referencial teórico Apesar do amplo conhecimento sobre a etiopatogenia, aspectos clínicos, terapêutica, e profilaxia da difteria, a doença pode ser ameaça nos locais de vacinação deficiente; de controle inadequado dos contatos e quando do retardo do diagnóstico-tratamento. A letalidade diminui na vigência do diagnóstico precoce e instalação rápida da terapêutica específica. No diagnóstico laboratorial, a bacterioscopia possui valor presuntivo. A cultura deve ser feita em meios específicos.

As colônias suspeitas deverão
12 ser submetidas a vários testes. Nestas fases podemos encontrar o erro laboratorial (5,9). As infecções subclínicas e o estado de portador são importantes, uma vez que concorrem para a circulação do bacilo na comunidade. A pele pode ser um reservatório de potencial importância na manutenção da circulação do C. diphtheriae, uma vez que ele pode ser isolado de vários tipos de lesões cutâneas, que são mais contagiosas do que as do trato respiratório. No momento do exame dos contatos, o laboratório fica exposto ao erro. A microbiota de associação é muito numerosa e sempre rica de bastonetes Gram- positivos, que se assemelham ao agente etiológico. Nessa hora o profissional do laboratório é muito solicitado e necessita de cuidado redobrado para que não desvalorize o achado microbiológico, contribuindo de forma negativa na epidemiologia e letalidade da doença. Através da leitura das orientações do Centro de Referência procuramos as características de eficácia.

Eficiência e efetividade, uma vez que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 traz a saúde como direito social em mais de 20 dos seus dispositivos, sendo ela um direito subjetivo exigível do Estado que tem o dever de assegurá-lo (2). Para apurar a responsabilidade do Poder público precisamos atentar para os conceitos de saúde, vida e dignidade da pessoa humana, considerada como um ser multifacetado. O direito à saúde é uma das formas de garantia do direito à vida, cláusula pétrea, art. 5º da CRFB/88 (2). Diante da prestação do serviço de saúde devemos interpretar a norma constitucional com o sentido que maior eficácia lhe conceda, com o objetivo de preservar a vida e a dignidade da pessoa. Há uma relação entre os conceitos de direito à vida e dignidade da pessoa humana com os serviços de saúde.

Qualquer atitude que se origine do Poder Público em detrimento do direito à vida pode ser catalogada como um desrespeito à dignidade do paciente. A garantia ao direito à vida pode necessitar de exames laboratoriais complementares adequados. Os dispositivos constitucionais apontam para uma ampla cobertura em matéria de saúde. Podemos considerar que qualquer omissão do Estado na garantia a esse direito, sendo comprovado o nexo de causalidade, permitirá a propositura de medidas judiciais. A responsabilidade civil do Estado é de natureza objetiva (art. 37, § 6o, da CRFB/88). Assim, demonstrado o nexo causal deve o Estado responder pelos danos que seus agentes causarem a terceiros, no âmbito de seus hospitais, independente da prova de dolo ou culpa . O hospital ao fornecer serviços de saúde médico-hospitalares está sujeito às normas do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8078/90).

A relação jurídica estabelecida com os seus pacientes é contratual, legítima relação de consumo, com as conseqüências legais que daí decorrem. As atividades complementares, ao atendimento do paciente, também ficam protegidas pelo manto deste contrato. Entre elas estão algumas como o serviço de controle de infecção hospitalar, de enfermagem, de limpeza e serviços complementares, de diagnóstico (laboratório de Bacteriologia Clínica e outros). Vamos recordar que a obrigação incluída neste contrato do hospital é de meios e não de resultados (4). No entanto, a assistência médica deve ser a mais adequada possível, devendo dispor de pessoal competente, nos procedimentos oferecidos aos seus pacientes nos atendimentos, uma vez que no contrato está implícita a cláusula de incolumidade, que tem característica de uma obrigação de resultados. Vamos lembrar que a administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, obedecerá a diversos princípios. Principio da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade descritos no Art 37° da CRFB (2) e de onde, diante dos nossos propósitos, destacamos os princípios da eficiência e especialidade. A lei 9784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo, no âmbito da Administração Pública Federal, nos relembra o princípio da eficiência e enfatiza o do “interesse público”, que deve ser obedecido pela Administração Pública.

2. METODOLOGIA E DESENVOLVIMENTO DO ESTUDO

Os dados foram colhidos do Manual Técnico do Centro de Referência Nacional, do Ministério da Saúde, publicado na Revista Brasileira de Patologia Clínica (6,7,8), elaborado para a identificação de micro-organismos corineformes; dos exames laboratoriais realizados neste Centro e, ainda, dos relatos de investigações realizadas no âmbito do seu Laboratório de Pesquisas. Estes resultados estão divulgados em revistas técnicas de circulação nacional e internacional, encontradas na lista das referências bibliográficas.

Para analise e avaliação, consideramos o diagnóstico laboratorial de certeza (21). O Serviço de Microbiologia e Imunologia, FCM-UERJ, foi convocado pelo Ministério da Saúde para implantar o Centro de Referência Nacional na década de 1980. Logo em seguida o Ministério deu inicio ao Programa Nacional de Vacinação da População Infantil. Essa iniciativa reduziu gradativamente o número de casos de difteria.

Registra-se nos anos 90 menos de 10% do número de casos que foram registrados na década anterior. Nesta época, em 11 de setembro, surgiu a Lei de Proteção e Defesa do Consumidor. Foi no ano de 1986 que surgiu a orientação do “Centro de Referência” no “Manual Técnico”, publicado em três números sucessivos da Revista Brasileira de Patologia Clínica (6,7,8), hoje, Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial. Podemos encontrar algumas comunicações apresentadas em congressos, sendo algumas no exterior. Da análise desses artigos, percebemos modificações em relação ao que era padronizado nos livros técnicos. Essas mudanças provenientes dos trabalhos realizados pelo Centro de Referência introduzem técnicas para facilitar a realização dos exames. Destinam-se principalmente aos que estão localizados nos países emergentes, onde as práticas laboratoriais são frequentemente realizadas em condições menos favoráveis, quando são comparadas com aquelas encontradas em países já desenvolvidos.


Na Constituição brasileira (Art 196), a saúde é dever do Estado, que deve garantí-la mediante políticas sociais e econômicas, que visem à redução do risco de doença e outros agravos (2). Desta forma, se torna explícita a sua multi- causalidade e ainda se coloca de forma clara a determinação social, econômica e política do processo saúde-doença. A difteria, embora seja doença bem estudada, ainda pode ameaçar a população brasileira. Há perigo se a cobertura vacinal não atingir níveis satisfatórios. Soma-se a isso a desinformação das equipes médicas em relação a sua incidência, o que pode dificultar o diagnóstico clínico precoce e retardar a soroterapia.

Apesar de preconizada pelo Ministério da Saúde, a vacina para adultos parece não ser suficientemente conhecida entre nós, o que não acarretou conseqüências mais sérias. No entanto, um número alarmante de casos de difteria foi descrito na Rússia e em outros países, atingindo inclusive profissionais de saúde (18, 21). A prevenção de doenças como a difteria é fruto de desenvolvimento tecnológico amplamente conhecido e acessível, apesar disso o controle ou a erradicação desta antiga doença transmissível não é ainda observado em inúmeros países como a Nigéria e o Paquistão. No setor é preocupante encontrar profissionais desinformados uma vez que saúde também é informação, elemento fundamental no processo de educação. Deve-se recomendar uma maior atenção em relação à imunização, avaliando- se melhor a qualidade das reciclagens e treinamentos que são realizados, além de melhor supervisão, assegurando o cumprimento das normas existentes. Os serviços de saúde nos países em desenvolvimento podem não estar adequadamente vinculados às mães para poder administrar às crianças a vacina de que necessitam na idade apropriada; as necessidades técnicas de um Programa Nacional de Vacinação exigem conhecimentos no planejamento, na administração e uma supervisão prática dos serviços.

A colaboração de uma população bem informada, a obtenção de fundos e o fortalecimento efetivo dos serviços básicos de saúde são objetivos a serem alcançados. O laboratório enfrenta diversos desafios. Por exemplo, uma parte das amostras da bactéria que causa a difteria no Brasil é bioquimicamente diferente daquelas que são encontradas nos países desenvolvidos. Entre nós, o C. diphtheriae é fermentador de sacarose, em contraste com os isolados em outros países. A capacidade de fermentar o açúcar pode causar confusão e induzir laboratórios desprevenidos a oferecer resultado genérico. Isso seria suficiente para nos alertar para a necessidade da perícia na prática laboratorial médica. Uma outra observação reforça esta necessidade. Trata-se do processo infeccioso causado pelo bacilo que perdeu a capacidade de produzir toxina. Casos de endocardites com bacilos não produtores de toxina foram descritos em diversos países no mundo, sendo isolados em hemoculturas. Nesses casos é possível que o agente etiológico possa ser identificado como difteróide, considerado mero contaminante.

O Centro de Referência chama a atenção para essas amostras que não produzem toxina, mas que produzem a porfirina fluorescente. Ausência de produção de toxina não significa ausência de patogenicidade. Por outro lado, num caso de endocardite produzida por micro-organismo produtor de toxina não foram observados quaisquer sinais de toxemia (12). Voltando aos micro-organismos “não produtores” de toxina, podemos inferir que esses casos clínicos sem a presença de toxemia apontam para outros mecanismos de virulência existente nessas amostras, que circulam principalmente em países onde a imunização possui níveis adequados (12,14,19,20). A circulação de um micro - organismo não produtor de toxina não estimulará o sistema imune da população geral, não haverá a manutenção de níveis de anticorpos antitóxicos circulantes suficientes para deter, ou mitigar um processo de infecção mais adiante, na idade adulta. A ausência de vacinação específica de 10 em 10 anos poderá dar origem a indivíduos susceptíveis de idade mais avançada e favorecer o surgimento de casos entre pessoas mais idosas, como ocorreu na Europa na década de 90.

A vacina é potente meio utilizado na erradicação da doença, mas o bacilo parece irredutível no seu objetivo de continuar circulando na população geral, concentrando-se em um segmento social, onde determinadas condições parecem estar satisfeitas. Pesquisa realizada no município do Rio de Janeiro revelou que o número de portadores de bacilo diftérico é cinco vezes mais alto em algumas regiões do subúrbio carioca do que na sua Zona Sul. A desnutrição, hábitos higiênicos inadequados e lesões cutâneas ocasionadas por mordidas de insetos ou por seringas são alguns dos fatores que facilitam a aderência e a infecção pelo micro- organismo. Este estudo observou diferenças entre o número de portadores, do C. diphtheriae toxinogênico e atoxinogênico, entre escolares do município com relação a localização das escolas. Demonstrou que a população escolar da zona oeste apresentou índices bem mais elevados comparados com os da zona sul, onde o nível sócio-econômico é mais elevado (13).

Esse trabalho apresentou uma das maiores casuísticas do mundo sendo examinados 1007 escolares no Centro de Referência. Já foi enfatizada a dificuldade encontrada por causa da semelhança entre o bacilo patogênico e outras espécies encontradas na microbiota humana. Vamos recordar dois problemas: (1) cepas com capacidade de fermentar sacarose (Brasil), que o assemelha à corineformes isolados de diversos nichos ecológicos humanos; (2) a grande freqüência de amostras não produtoras de toxina, principalmente isoladas de portadores no trato respiratório e nas lesões cutâneas. Anotemos também que o micróbio já foi isolado no Centro de Referência a partir de material proveniente de úlceras leishmanióticas e até mesmo do líquido espermático, onde poderia ser confundido com um “difteróide” (contaminante). Por esse motivo os micro-organismos que são bastonetes Gram-positivos produtores de porfirinas fluorescentes, no meio B de King, sob luz U.V. (365 nm) e fermentadores de maltose, são considerados como bacilo diftérico, até prova contrária.
Estivemos desenvolvendo este raciocínio objetivando o diagnóstico da doença clássica, a faringite diftérica, que é causada pela espécie tipo do gênero.

Sob o ponto de vista clínico, a negligência dos “difteróides” pode nos conduzir a resultados desastrosos. No laboratório também não é diferente onde temos outro elemento complicador, uma vez que outros corineformes podem estar envolvidos em diversos quadros clínicos, que precisam ser valorizados. Isso aponta novamente na direção da prudência, da diligência e da perícia como prevenção de problemas diante dos tribunais. Podemos citar algumas doenças onde são descritos estes agentes etiológicos semelhantes ao bacilo diftérico e que apresentam alta taxa de resistência aos antibióticos: infecções do trato urinário, bacteremia ou endocardite. Outras infecções sistêmicas, como pneumonia ou peritonite; infecções em feridas cirúrgicas, artrite séptica e osteomielite vertebral; abscesso mamário, uretrite não gonocócica, epididimite, linfadenite granulomatosa, meningite em neonatos, peritonite em pacientes submetidos a diálise peritoneal e infecções endoftálmicas. Diante desses quadros infecciosos parece justificado o interesse de um Centro de Referencia com a educação continuada e ainda com as contribuições da Bioética e do Biodireito (3, 4, 23).

O que significa o rótulo “difteróides”? A prática laboratorial permite afirmar que são bactérias oportunistas potencialmente patogênicas pertencentes à própria microbiota humana normal. Dados acumulados indicam a relevância de se identificar o gênero e eventualmente as espécies. O reconhecimento dessas infecções pode depender da perícia que possuem os laboratórios na sua capacidade de proceder a especificação. Um dos obstáculos encontrados é que mais de 40% das amostras dos bastonetes Gram-positivos pleomórficos não pertencem ao gênero Corynebacterium . Voltemos ao ponto central, o diagnóstico laboratorial da difteria. O isolamento em cultura pura necessita de pelo menos três meios de cultivo diferentes na garantia de um resultado satisfatório (95%).

Esta prática mais onerosa é um desestímulo aos laboratórios que carecem de recursos porque todos os meios de cultura possuem prazo de validade e decresce o número de casos diante das medidas preventivas. No entanto, na vigência de um surto epidêmico essas práticas são absolutamente necessárias. Uma técnica desenvolvida também na FCM-UERJ para a pesquisa de toxina “in vitro”, comparada com a que explora o efeito citopatogênico da toxina em culturas de células, também foi apresentada no exterior (15,16). Devemos ainda admitir a possibilidade da doença em uma criança ou adulto vacinado. Apesar de se tratar de uma linha de pesquisa tradicional, só recentemente descrevemos um caso de isolamento de adulto vacinado . Neste caso, o diagnóstico laboratorial mostrou-se fundamental, uma vez que somente após a identificação bacteriana o tratamento específico foi iniciado, com boa resposta clínica (18). Em difteria a clínica é soberana, mas esse dado reforçou nosso entendimento de que devemos perseguir de forma rápida o diagnóstico de certeza. Sob o ponto de vista bioético este relato reforça a idéia de que a medicina é uma profissão moral.

O médico interfere no campo do sujeito, no seu corpo, em sua vida pessoal, nas suas emoções e na sua economia. Em um Centro de Referência não podemos pensar diferente, pois há sempre um paciente, um aluno, uma pessoa representada naquele exame ou aula. A responsabilidade do docente pesquisador, em uma Faculdade de Medicina, não está apenas na pesquisa de ponta. A Lei de Defesa do Consumidor vem sendo invocada para dar suporte às pretensões indenizatórias de pacientes que buscam socorro nas barras dos tribunais: “o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços”. Daquele diploma legal, podemos destacar este início do artigo 14 (Lei nº 8078, de 11 de setembro de 1990). No caso acima, por se tratar de um adulto vacinado, o tratamento especifico foi retardado pela dúvida no diagnóstico clínico. Após ampla vacinação e erradicação dos países desenvolvidos, a difteria praticamente desapareceu das cogitações da maioria dos pesquisadores no mundo. Apesar de bem estudada, surgiu entre nós observação de certa relevância que é a descrição de uma transialidase no C. diphtheriae. Esta enzima é importante na interação bactéria-hospedeiro. Não menos importante é o inesperado encontro da capacidade invasora em um micro-organismo patogênico de baixo poder invasor (14).

Caiu vertiginosamente o número de notificações no Brasil, estando longe das cifras encontradas nas décadas anteriores. Hoje não são descritos surtos nas diversas regiões do território nacional. No entanto, na prática laboratorial devemos relembrar que o bacilo já foi encontrado em sítios incomuns como ouvidos, conjuntiva e vagina e que a colonização de pacientes adultos vem despertando grande interesse. Em nosso laboratório, já foi também isolado de espermocultura e de úlceras leishmanióticas (13).

Embora o micro-organismo continue apresentando sensibilidade a maioria dos antimicrobianos utilizados na clínica ele foi isolado no Rio de Janeiro de um caso de endocardite mitral fatal, resistente a terapia com a penicilina (12). O micro-organismo isolado demonstrou produção de exotoxina “in vitro”. No entanto, enfatizamos que não foram encontrados sinais clínicos visíveis de toxemia, um dado complicador para o médico. Hoje sabemos que alguns clones podem apresentar propriedades invasoras, mas porque não produziu a toxina “in vivo”?. Embora o número de casos notificados seja pequeno, quando comparado com o encontrado em décadas anteriores, o seu isolamento pode deixar microbiologistas repletos de expectativas, quando o material clínico enviado ao laboratório é proveniente de instituições onde estão internados pacientes que apresentam baixa resistência imunológica. Por exemplo, o Centro de Referência descreveu, em 2001, que no laboratório do Instituto Nacional do Câncer, no Rio de Janeiro, foi isolada uma amostra toxinogênica de C. diphtheriae, de uma lesão ulcerada de carcinoma infiltrado basalóide, de um paciente de 45 anos de idade, no período pré-operatório.
Este bacilo pertencia à variedade mitis fermentadora de sacarose(17).

Esses achados nos permitem reafirmar a necessidade da cuidadosa identificação microbiana, conduta particularmente importante, como dito anteriormente, porque outros “corineformes”, resistentes a antimicrobianos, são identificados como agentes etiológicos em diversos quadros clínicos e não devem ser negligenciados (13). Melhores serão os resultados se estivermos diante de um profissional apresentando mestria, qualidade de perito, por isso no laboratório a prudência, a diligência e a perícia devem ser estimuladas em todas as oportunidades. Não podemos permitir raciocínios em bases falsas. Ao acreditar que uma doença, como a difteria, desapareceu de nosso ambiente estamos correndo o grave risco de não diagnosticá-la a tempo de poder bloquear a ação da poderosa exotoxina. No laboratório do hospital, diante de uma espermocultura, de uma hemocultura ou ainda diante de uma lesão de carcinoma, onde foram encontrados associados cocos piogênicos, o bacteriologista pode rotular o patogênico como “difteróide”(17). Diante da realidade brasileira e sob o ponto da vista de saúde pública, o diagnóstico clínico precoce, o diagnóstico bacteriológico adequado e a vacinação de toda a população susceptível continuam sendo importantes desafios.

Após três décadas de controle absoluto da doença, a difteria ressurgiu em países europeus de maneira epidêmica. O ocorrido na Federação Russa, com mais de 150 mil casos relatados no período de 1990 a 1999, transformou-se no maior surto recente de difteria. Nele foram confirmados 5 mil óbitos, sendo a maioria deles (75%) em adultos (17, 21) Cientistas de vários países voltaram sua atenção para doença. Em junho de 2000, numa reunião promovida pela Organização da Saúde Mundial Européia, os especialistas de mais de 30 países se mostraram preocupados com o risco de uma eventual epidemia generalizada. Naquela oportunidade o Brasil se fez representar pelo Centro de Referência (15). Em termos de prudência, diligência e perícia nossos laboratórios deverão ter como princípio o compartilhar benefícios. Resultados de pesquisas científicas e suas aplicações práticas devem ser divididos com a comunidade científica internacional e a sociedade como um todo. Após o surto epidêmico na Europa, como medida preventiva o Brasil passou a aplicar a vacina tríplice bacteriana na população acima de 7 anos.

Nestes dias de crise global é importante incentivar a vacinação de adultos. A situação atual da população brasileira guarda certa semelhança com a da Europa daqueles dias em que o bacilo infectou mais adultos do que crianças. Estudos realizados no exterior demonstraram que 50% dos adultos apresentavam níveis baixos de anticorpos protetores antitóxicos. Por esse motivo recomendou-se a revacinação de adultos e em particular a imunização dos profissionais de saúde. O risco de exposição, na área de saúde, a este patogênico e em particular nos laboratórios de Bacteriologia nos deixa apreensivos. Nossos laboratórios podem estar descartando os bastonetes Gram-positivos, agentes de infecção, após rotulá-los como inofensivos “difteróides”. Preocupação adicional é saber como andará a imunidade de nossos médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e estudantes de saúde. Pediatras e bacteriologistas talvez nem tenham renovado a vacinação nos últimos dez anos.

3. CONCLUSÃO Neste trabalho apontamos para eventual demanda judicial, que pode surgir diante do eventual erro do profissional no Laboratório de Bacteriologia Médica. Por outro lado, após a análise das recomendações feitas pelo Centro de Referencia Nacional que também estimulam a prudência, a diligência e a perícia no âmbito da atuação profissional, podemos concluir. Apesar das numerosas dificuldades encontradas num país emergente, não estaremos inferiorizados mesmo diante das facilidades disponíveis nos laboratórios localizados em países do primeiro mundo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. ASSIS TL, FORMIGA LCD & FILGUEIRA AL - A pele: um sistema ecológico. An bras Dermatol, 58 (6): 271-272, 1983.

2. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. 23ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2004.

3. BERLINGUER, G. Bioética Cotidiana. Tradução. Editora Universidade de Brasília. Brasília. DF. 2004.

4. CAVALIERI FILHO, S. Programa de Responsabilidade Civil. 6º edição. Malheiros Editores. 2006.

5. FORMIGA, L.C.D. New possibilities for Laboratory diagnosis of diphtheria. Brazilian J. Med. Biol. Res., 18:401-402, 1985.

6. FORMIGA, L.C.D. Diagnóstico Microbiológico da Difteria (1ª parte). Rev. Bras. Pat. Clin., 22 (2): 52-58, 1986.

7. FORMIGA, L.C.D. Diagnóstico Microbiológico da Difteria (2ª parte). Rev. Bras. Pat. Clin., 22 (3): 90-93, 1986.

8. FORMIGA, L.C.D. Diagnóstico Microbiológico da Difteria (3ª parte). Rev. Bras. Pat. Clin., 22 (4): 122-130, 1986.

9. FORMIGA,L.C.D. & GUARALDI,A.L.M.. Diphtheria: current status and laboratory procedures for diagnosis. Rev. Bras. Pat. Clin., 29(3): 93-96, 1993.

10. FORMIGA, L.C.D & FORMIGA, A.L.B. Prudência, Diligência e Perícia no Laboratório de Bacteriologia Clínica. 2º Congresso Científico da Univercidade. 22 de outubro de 2007. Rio de Janeiro. RJ. http://www.univercidade. edu/uc/pesqcient/pdf/2007/amb_bacteria. pdf

11. FORMIGA, L.B.; FORMIGA, L.C.D. & GOMES, R.O. Difteria Iatrogenia da Omissão. Pediatria Atual, 7(8): 27-31, 1994.

12. GUARALDI, A.L.M.& FORMIGA, L.C.D. Bacteriological properties of a sucrose fermenting Corynebacterium diphtheriae strain isolated from a case of endocarditis. Current icrobiology, 37(3): 156-158, 1998.

13. FORMIGA, L.C.D. Corynebacterium. In. TRABULSI, L.R.; ALTERTHUM, F.; GOMPERTZ, O.F.; CANDEIAS, J.N. (Editores). Microbiologia. Atheneu, p. 177-185, 1999.

14. GUARALDI, A.L.M., FORMIGA, L.C.D., PEREIRA, G.A. 2000. Cell Surface Components and Adhesion in Corynebacterium diphtheriae. Microbes And Infection, 2: 1507 - 1512, 2000.

15. GUARALDI, A.L.M., FORMIGA, L.C.D., CAMELO, T.C.F., PEREIRA, G. A. A Diphtheria Screening Method. In: Sixth International Meeting Of The European Laboratory Working Group On Diphtheria-Who, Bruxelas. Abstract.. 51, 2000.

16. GUARALDI, A.L.M., ENGLER, K., TAM, M., HIRATA R. JR, & FORMIGA. LCD. The Immunochromatographic Method for Toxin Detection and the King-DSU Screening Procedures as Alternative in Rapid Laboratory Diagnosis of Corynebacterium diphtheriae . 101st General Meeting - May 20 – 24 at Orange County Convention Center, Orlando, Florida, 2001

17. GUARALDI, A L.M., FORMIGA, L.C.D. Corynebacterium diphtheriae threats in cancer patients. Revista Argentina de Microbiología. 33: 96-100, 2001.

18. GUARALDI, ALM; FORMIGA, LCD; MARQUES, EA, PIMENTA, FP, CAMELLO, TCF & OLIVEIRA, EF. Diphtheria in a vaccinated adult in Rio de Janeiro, Brazil. Brazilian Journal of Microbiology. 32: 236 – 239, 2001.

19. HIRATA JR, R., NAPOLEÃO, F., MONTEIRO- LEAL, L. H., ANDRADE, A. F. B., NAGAO, P. E., FORMIGA, L.C.D., FONSECA, L.S., MATTOS-GUARALDI, A. L. Intracellular viability of toxigenic Corynebacterium diphtheriae in HEp-2 cells. Fems Microbiology Letters, 215(1): 115 – 119, 2002.

20. HIRATA JR, R., SOUZA, S. M. S., ROCHA- DE-SOUZA, C. M., ANDRADE, A. F. B., MONTEIRO-LEAL, L. H., FORMIGA, L. C. D., MATTOS-GUARALDI, A. L. Patterns of adherence to HEp-2 cells and actin polimerisation by toxigenic Corynebacterium diphtheriae strains. Microb. Pathog, 36: 125-130, 2004.

21. KELLY C, EFSTRATIOU A. Le septième Congrès international du Groupe de Travail Européen sur la Diphtérie - Vienne, juin 2002. Euro Surveill. 2003;8(10):pii=427. Available online: http://www.eurosurveillance. org/ViewArticle.aspx?ArticleId=427

22. MACAMBIRA, R.P.; FORMIGA, L.B. & FORMIGA, L.C.D..Difteria: O grave prognóstico brasileiro. J. Bras de Medicina, 66 (3): 69-81, 1994

23. SÉGUIN, E.. Biodireito. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2001.