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quinta-feira, 30 de junho de 2011

CONGRESSO ESPÍRITA


Domingos Cocco
Cachoeiro de Itapemirim - Espírito Santo


Os Congressos Federais ou estaduais, realizados periodicamente em nosso País, são de inteira necessidade ao Movimento Espírita. Entretanto, as taxas inseridas nas inscrições, não refletem justiça. Nem todos têm condições de arcar com as despesas cobradas, daí ficarem à margem dos acontecimentos.
Não desconhecemos que tais eventos trazem custos. Porém, não é do “bom senso” Espírita isolar irmãos, em virtude de não possuírem recursos financeiros, quando é possível evitar, através da união de propósitos.
Se o Espiritismo divulga ser necessária a integração dos espíritas em torno do Movimento, haveremos de encontrar uma solução no sentido de não causarmos a separação de irmãos, praticando-se assim a verdadeira confraternização.
No entanto, o que fazer se o número de participantes for além do que o local do evento comportar e como sanar as despesas existentes?
Se o assunto for colocado em pauta pelos dirigentes do Movimento, por certo encontrarão uma solução. Porém, como me é permitido utilizar este espaço, colocarei minha “colher enferrujada” no assunto, como sugestão: a) Não sendo possível agasalhar todos os concorrentes, usar-se-ia o critério de inscrições por ordem de chegada do pedido: b) Para cobertura das despesas, seria acordada pelos promotores, com os dirigentes dos Centros Espíritas das cidades, municípios, etc, afetada pelo evento, uma taxa mensal como colaboração. O arrecadado com alguma antecedência ao acontecimento seria enviado mensalmente por cada entidade aos organizadores, a serem depositados para as despesas.
Seguramente, o custo não seria de grande monta, ao ser dividido por um grande número de Filiadas que por sua vez, já recebem mensalmente dos associados quantias acessíveis aos mais carentes financeiramente, os quais poderiam participar do conclave.
O exposto serviria também para pequenos eventos nas Casas Espíritas. Os fundos para as despesas seriam do incentivo às contribuições mensais dos sócios, de onde uma pequena parte seria reservada para custear um futuro acontecimento.
Assim, três inconvenientes seriam sanados: Em primeiro lugar, todos estariam dispensados do pagamento; em segundo lugar, as pessoas simpáticas à Doutrina, que em “última hora” desejassem participar, não seriam barradas à porta, o que seria um vexame; em terceiro lugar, tirar-se-ia uma aparente idéia de comercialização.
Com o sistema aplicado hoje nos Congressos e nos pequenos eventos, é possível que alguns espíritas, ou mesmo alguém não espírita, estejam privados por todo esse tempo de participar, o que não aconteceria amanhã.
A verdade é que, o aqui apresentado, refletiria igualdade, cooperativismo, divulgados pelo Espiritismo, e que consta das leis de Deus.
É preciso descerrar o máximo, as portas das Casas Espíritas. “É preciso fugir da elitização que ameaça o movimento espírita... o Espiritismo veio para o povo”, é o que diz Chico Xavier no livro; “Chico, de Francisco”. (Edição: Cultural Espírita União).
Aguardemos, pois, alguma manifestação. O Espiritismo merece...

Cachoeiro de Itapemirim, ES, 25 de dezembro de 2005.

Domingos Cocco




Extraídas da revista “O Espírita”-1º semestre de 2005 - nº 119 - Brasília-DF
Divaldo Franco: responde
Pergunta: A cobrança de taxas em eventos essencialmente espíritas não estaria incorrendo nos mesmos e seculares erros de religiões, que cobram todo serviço que prestam a comunidade? Onde fica o “daí de graça o que de graças recebestes ? Não seria a elitização da cultura doutrinária ?
Resposta: É lentamente que os vícios penetram nos organismos individuais e coletivos da sociedade. A cobrança desta e daquela natureza, repetindo os velhos erros das religiões ortodoxas do passado, caracteriza ambição injustificável, induzindo-nos a erros que se podem agravar e de futura difícil erradicação. Temos responsabilidades com a casa espírita, deveres para com ela, para com o próximo e entre esses deveres o da divulgação ressalta como uma das mais belas expressões de caridade que podemos fazer ao Espiritismo, conforme conceitua Emmanuel, através da mediunidade abençoada de Chico Xavier. Nos eventos essencialmente espírita, deveremos nós, os militantes da Doutrina, assumir a responsabilidades, evitando criar constrangimentos naqueles que, de uma maneira ou de outra, necessitem beneficiar-se para, em assimilando a doutrina, libertarem-se do jugo das paixões, encontrando a verdade. O dar de graça conforme nos chega é determinação evangélica que não pode ser esquecida e qualquer tentativa de elitização da cultura doutrinária, em detrimento da generalização do ensino a todas as criaturas, é um desvio intolerável em nosso comportamento espírita.

Espíritas bolivianos dão exemplo de consciência doutrinária

Cresce no movimento espírita brasileiro o sentimento de repúdio contra a febre da cobrança de taxas em eventos doutrinários do Espiritismo. Ótimo!
Ainda é pouco. É preciso que jornais, revistas, programas de TV e rádio, de cunho espírita, ampliem suas campanhas contra o absurdo das cobranças.
Segundo pesquisas recentemente feitas, que circulam por todo o movimento, os espíritas são os religiosos com cultura e renda “percapita” superiores às dos demais.
É sempre bom lembrar, como se constata facilmente, que a maioria de nossos confrades reside em casas confortáveis, possui carros novos, viaja todos os anos, têm filhos em escolas pagas, veste-se primorosamente, dá festas abundantes com doces, salgados e bebidas... mas para os gastos com atividades religiosas costuma sair de “fininho”, falta “verba”, ou dá contribuições ínfimas, bem abaixo de suas possibilidades.
A Bolívia é um dos países mais pobres do mundo. Tem 70% de sua população abaixo da linha da pobreza, o que se reflete no movimento de lá. Mesmo assim, deu-nos grandioso exemplo. Ao organizar o seu “4º Encontro Espírita Boliviano”, fez questão de colocar nos cartazes a frase “ENTRADA LIVRE”, como se confirma acima.
Não foram poucas as despesas. O consagrado tribuno Divaldo Franco esteve presente com todos os custos cobertos pela direção do evento.
Existem outras formas, Além da contribuição pessoal, que seria o ideal, de se obter recursos para tais fins.
Jantares, almoços, bazares, festivais de tortas e sorvetes etc, são promoções doutrinariamente aceitáveis. Não há o envolvimento de princípios e não impedem o acesso de pessoas pobres aos eventos espíritas.
Chico Xavier nas obras “Encontros no Tempo”, organizado por Jarbas Leone Varanda, e “A Ponte” por Fernando Worm, chama a atenção para a elitização do movimento que vai grassando perigosamente.
A fé verdadeira não abre mão da razão e também do sacrifício pessoal. É fácil custear a crença com o bolso alheio.

O ESPIRITISMO VEIO PARA DIALOGAR COM O POVO OU NÃO?

Alguns poucos confrades que conhecemos não acham os livros espíritas caros. Dizem que por trás dos livros há um trabalho de elaboração que é feito pela espiritualidade e pelo médium quando da criação da obra, que, em seguida, tem de chegar ao leitor (que pode pagar, obviamente!). Esses partidários dos preços altos para livros espíritas tentam explicar que o livro surge através de gráficas, que têm necessidades urgentes como lucros para pagamentos de funcionários, material, manutenção e ampliação do parque gráfico; das livrarias que, como as gráficas, têm as suas necessidades semelhantes; dos centros espíritas que nem sempre se mantêm com as doações de seus associados e outras justificativas (impostas pelo sistema materialista).
Logicamente, dos arrazoados sobre o lucro não podemos discordar, mas qual lucro se visa atualmente? Há pessoas astutas e oportunistas ganhando muito dinheiro vendendo “espiritismo” de todas as formas possíveis e imagináveis (sobretudo pela internet). Claro, alguns com interesse meramente pessoal.
Vender livros espíritas a preços inacessíveis aos leitores pobres é uma violência moral contra o povo. Em época de Internet, e-book, iPad etc. etc. etc. Todavia, continua-se explorando os espírita s carentes, desempregados e a população pobre. Há aqueles que estão sedentos para PROIBIR a possibilidade de se baixar livros pela Internet. Algumas lideranças só pensam em lucro, em cifrões, em engendrar formas para tirar algum dinheiro dos espíritas. Até quando tais lideranças espíritas não terão a coragem de oferecer, sem maiores entraves materiais e financeiros, as verdades do Cristo aos corações aflitos e sedentos de conhecimento?
Nossa pugna pela Internet propõe possibilitar que as pessoas tenham acesso aos livros espíritas através da intensa divulgação que promovemos atualmente pelas vias virtuais, sem peso na consciência... Divulguemos a ideia da leitura pela rede mundial de computadores. Simples, fácil e custo zero. Basta apenas um computador em casa, uma lan house ou outros locais democratizados onde a mensagem e os livros possam chegar a qualquer pessoa, a qualquer hora. É lamentável que os diretores de algumas instituições "que lideram o movimento espírita" (com raras exceções) queiram tirar os recursos financeiros dos bolsos dos espíritas, esquecendo-se dos mais carentes (se tirassem dinheiro dos que podem pagar seria razoável).
Como se não bastasse, ainda há as promoções de eventos excludentes (seminários, congressos, simpósios, encontros “fraternos”), onerosos, caros, soberbos, luxuosos, destinados, claro! Para a elite aquinhoada. Entronizam-se shows de oratória retumbantes, com palestras repetidas e desnecessárias sob todos os pontos de vista, e ainda assim permanecem sob o guante do “canto de sereia” para arrecadar muito recurso financeiro dos outros como estivessem divulgando Espiritismo. Não estão!...

Ouço insistentemente nos diversos centros que frequento sobre práticas consideradas dispensáveis para a boa difusão do Espiritismo. Visitei várias localidades onde alguns divulgadores famosos são tidos como "mascates ambulantes do Espiritismo", porque agenciam oferta e venda livros, CDs e DVDs após suas “falas espetacularizadas” pelos rincões brasileiros em nome do “assistencialismo”. Essa escola (modelo) que ganhou fôlego após a desencarnação do Chico Xavier é, para mim, a deteriorização da proposta espírita destinada a todos, ao alcance de todos. Já escrevemos (várias vezes) sobre isso.
Prestemos muita atenção na entrevista que o Chico Xavier concedeu ao Dr. Jarbas Leone Varanda e publicada no jornal uberabense O Triângulo Espírita, de 20 de março de 1977, veiculada no Livro “Encontro no Tempo”, organizado por Hércio M.C. Arantes e publicado pela Editora IDE em 1979. O amoroso Chico Xavier advertiu que "é preciso fugir da tendência à ‘elitização’ no seio do movimento espírita (...) o Espiritismo veio para o povo. É indispensável que o estudemos junto com as massas mais humildes, social e intelectualmente falando, e delas nos aproximemos (...). Se não nos precavermos, daqui a pouco estaremos em nossas Casas Espíritas, apenas, falando e explicando o Evangelho de Cristo às pessoas laureadas por títulos acadêmicos ou intelectuais (...)”.
Quando escrevemos o artigo “INDUSTRIALIZAÇÃO DE EVENTOS ESPÍRITAS "GRANDIOSOS"", o ex-reitor da Universidade Federal de Juiz de Fora, e escritor espírita, José Passini, afirmou: “Seu artigo, Jorge Hessen, deveria ser eternizado em placa de bronze e distribuído às instituições espíritas. Você acertou em cheio no monstro que desgraçadamente cresce em nosso meio.” Talvez a espiritualidade, consciente dos despropósitos sobre a desprezível ELITIZAÇÃO DO ESPIRITISMO esteja de alguma forma nos alertando para um tempo de profundas mudanças. Que e seja assim!
É muito triste testemunhar tudo isso sem utilizar a ferramenta da indignação, no caso a voz (escrita) e recomendar mudanças, nunca em nível pessoal, mas no campo das ideias. Sobre isso, faço a minha parte sem machucar minha consciência, graças a Deus!
Vamos dar um basta ao elitismo doutrinário. Ou o Espiritismo chega à massa dos invisíveis de cá, dos deserdados, ou perderá o foco e não terá mais sentido falar do Evangelho de Jesus através da Doutrina codificada por Allan Kardec.
Jorge Hessen
http://jorgehessen.net

quarta-feira, 22 de junho de 2011

SALA REPLETA...CASA DESERTA


Joana Abranches
presidente da Sociedade Espírita Amor Fraterno - Vitória – ES –

joanaabranches@gmail.comamorefraterno@gmail.com



Gilberto Gil tem uma canção que diz: “Tanta gente!... E estava tudo vazio. Tanta gente!... E o meu cantar tão sozinho.”

O que teria isso a ver com o cotidiano dos grupos espíritas na atualidade?... Muita coisa!...

Em Casas equivocadamente agigantadas, equipes trabalham por turno e mal se conhecem, pessoas viram números e o velho e essencial acolhimento que começaria “dentro de casa” acaba se perdendo em meio à distribuição de senhas para o passe e outras novidades em nome da organização. A preocupação é atender e impressionar bem aos que chegam, aos que vem de fora. Enquanto isso, no interior dos grupos, quanta gente sofrendo de solidão acompanhada... Minguando afetivamente!

Importante avaliar como tem sido a nossa relação com os companheiros de dentro, no cotidiano institucional espírita. Conseguimos perceber seu olhar mais triste nesse ou naquele dia? Quando desaparecem por algum tempo, o nosso primeiro pensamento é de censura ou preocupação? Passa pela nossa cabeça que possam estar atravessando uma fase difícil e, em caso afirmativo, nos mobilizamos para ampará-los? Aos que retornam após um período de ausência, a manifestação tem sido de acolhimento e alegria ou de cobrança?

Ah, as tais cobranças... Das piadinhas sarcásticas e olhares enviesados ao dedo em riste, vale tudo para manter o “bom andamento das atividades, em nome de Jesus”... Porém, vale a pena pensar se tem sido oferecido afeto, compreensão e solidariedade na mesma medida em que se cobra.

Favorecidos por regras monásticas que inibem a espontaneidade e a afetividade entre os trabalhadores, os grupos acabam resvalando para o extremismo. “O silencio é uma prece”... Antes, durante e depois das reuniões. Ignora-se que onde não há espaço para diálogo e autenticidade não pode haver uma relação saudável e verdadeira. Assim, vestindo a armadura do formalismo que afasta - em lugar da naturalidade que aproxima - temos nos tornado meros tarefeiros, cada vez mais robotizados e indiferentes. Sem perceber, em vez de estar uns com os outros temos apenas passado uns pelos outros, como se as pessoas fizessem parte dos móveis e utensílios da Casa Espírita.

Muito comum entrar no grupo, assinar a lista de freqüência (uma espécie sutil de folha de ponto para espíritas) e ligar no automático. A preocupação em ser impecável sobrepõe-se então ao importar-se com. É que andamos muito ocupados em ser perfeitos. Mesmo que ser perfeito signifique apegar-se a detalhes ínfimos e apontar a imperfeição alheia para colocar em destaque a pretensa superioridade que ainda estamos longe de possuir... Quanta ilusão!

Se o companheiro procura ajuda, lá vem o julgamento implacável implícito na “receitinha de bolo”: Prece, água fluidificada, redobrar a vigilância... Com direito, é claro, a sorrisinho paternalista e tapinha nas costas. Dali cada qual pro seu lado e a cômoda sensação de dever cumprido, sem que tenhamos, entretanto, caminhado um milímetro sequer em direção às reais necessidades do outro. Sem contar que, convenhamos, numa quase ditadura da pseudo-santidade como critério de “promoção” a trabalhador espírita, raros são os que têm coragem de expor suas dificuldades, por mais que estejam passando o pão que o diabo amassou. Afinal, reza a lenda que espírita não pode estar sujeito aos problemas existenciais inerentes aos “reles mortais”, como stress, depressão, frustração amorosa ou coisa que o valha. Daí o receio de se abrir, pois mostrar alguma fragilidade pode significar perda de credibilidade e exclusão dos trabalhos, pode render o estigma indigesto de obsediado.

Some-se a tudo isso o fato que, embora espíritas, a maioria de nós tem vivido na prática como bons materialistas. Interagindo numa sociedade altamente competitiva, temos sido sutilmente seduzidos pelo supérfluo, em detrimento do essencial. O objetivo primordial da vida passou a ser o sucesso profissional, social e financeiro, que inclui produzir, consumir e ostentar (desde títulos acadêmicos e profissionais a bens materiais). Mas ser “bem sucedido” dá muito trabalho. Os inúmeros cursos, viagens e horas extras à noite, fins de semana e feriados, somados à necessidade exacerbada de ter, tomam-nos muito tempo. Então os compromissos espirituais deixam de ser prioridade. Vão sendo adiados ou assumidos pela metade, encaixados nas sobras de tempo que restam de tudo o que é material e “urgente.” Passa-se então a ir à Casa Espírita quando dá... Só pra bater o ponto... E de preferência “correndinho,” como quem dá um pulinho no supermercado mais próximo só pra suprir uma ou outra coisa que está em falta na despensa. Nem bem acabou o “assim seja” e as pessoas já saem feito foguete para “levar ou buscar Fulaninho e Beltraninha não sei onde”... Ou para compromissos que poderiam tranquilamente ttser agendados em outra data.

Ora, quanto mais superficial a convivência, mais frieza nas relações. Passamos então a nos esbarrar na Instituição, não como irmãos, mas como meros colegas de trabalho; a viver uma vida paralela fora do Grupo Espírita, com um circulo de relações à parte, onde dificilmente há lugar para os companheiros de ideal.

Em que vão escuro do preciosismo doutrinário e do igrejismo teremos perdido a sensibilidade, o prazer de estar juntos, os laços de amizade que extrapolavam os muros da Casa Espírita? Em que lugar do tempo foram parar as gostosas confraternizações extra-reuniões... Os agradáveis bate-papos após as atividades... A amizade parceira que se estendia para os programas de lazer em comum... O olhar atento que detectava quando esse ou aquele amigo não estava bem... O interesse verdadeiro pelo bem-estar uns dos outros?... Talvez seja mais fácil culpar a correria e o medo da violência dos dias atuais - alegando que é perigoso chegar tarde em casa ou pretextando falta de tempo ou pretextando “a a ante os "?- do que responder honestamente a essas perguntas, mas uma coisa é inegável: Coragem é questão de fé, e tempo é questão de prioridade.

E são tantos os irmãos que reclamam atenção especial... Companheiros solitários para os quais os fins de semana são intermináveis e que, se acolhidos, com certeza se sentiriam muito melhor!... Companheiros em processos reencarnatórios difíceis ou em períodos de crise existencial, para os quais faria toda a diferença uma conversa amorosa, a presença amiga naquele momento crucial ou a festinha surpresa de aniversário. Celebrar gente é trabalhar a auto-estima individual e coletiva. Quando as pessoas se sentem valorizadas, quando são envolvidas em ambiente de carinho, alegria e leveza, todo o grupo se torna mais harmônico, feliz e produtivo.

“Espíritas, amai-vos e instruí-vos!” - Recomendou o Espírito de Verdade. A construção da frase sinaliza, clara e pedagogicamente, para a ação prioritária. Teoria já temos de sobra. Agora é aplicá-la no cotidiano das relações. É avaliar com honestidade até que ponto ser impecável, indispensável e PHD em Espiritismo, tem sido mais importante do que ser irmão.

“Reconhecereis os meus discípulos por muito se amarem” – afirmou Jesus. Neste momento é imperioso resgatar a nossa identidade de seguidores sinceros do Mestre, buscando interagir com sinceridade e companheirismo. Como distribuir aos que chegam o afeto, o aconchego e a tolerância que sequer conseguimos construir entre nós, companheiros de caminhada e de ideal?

Repensemos. Continuar a brincar de ser fraternos, alimentando a distância entre o discurso e a pratica da legítima fraternidade, é um enorme desserviço a nossa própria evolução e felicidade. O mundo espiritual tem nos alertado que das boas intenções de teóricos e indiferentes espíritos-espíritas o umbral já está cheio... E os hospitais das colônias espirituais também!.. Muito embora - pra sorte nossa - em casos de extrema pobreza e vulnerabilidade espiritual a Misericórdia Divina nunca negue licença pra mais um puxadinho.

domingo, 19 de junho de 2011

VIDA EXTRATERRESTRE, UMA REFLEXÃO

A vida e o Universo são magníficos mistérios. Dádiva de Deus, que não podemos, nem vamos, compreender de maneira tão simplória. Há dois mil anos, Jesus proclamou que "há muitas moradas na Casa do meu Pai". (1) Atualmente, não é difícil compreendermos que Deus criou Sua Casa (Universo), em cuja morada estão os incontáveis planetas. A questão fundamental é: Nós estamos sozinhos no Universo? Os astrônomos afirmam que estão próximos de responder essa questão que sempre perseguiu a humanidade, desde o início da civilização.

O diretor do observatório astronômico do Vaticano (2), padre José Gabriel Funes, afirmou que Deus pode ter criado seres inteligentes em outros planetas, do mesmo jeito como criou o Universo e os homens. "Isso não contradiz nossa fé, porque não podemos colocar limites à liberdade criadora de Deus", acrescentou Funes, em entrevista ao jornal L'Osservatore Romano, órgão oficial de imprensa da Santa Sé".(3)

Um dos ramos científicos que mais têm crescido, desde os anos 50, fazendo audaciosas pesquisas, ampliando muito o acervo de seus conhecimentos, é a Astronomia. Dela derivam, ou com ela interagem, a Astrofísica, a Astroquímica, a Exobiologia (estudo da possibilidade de vida fora da Terra). Simon "Pete" Worden, astrônomo, que lidera o Centro de Pesquisas Ames da NASA, afirma que nós [na Terra] não estamos sozinhos, pois que há muita vida [pelo Universo]. Desde 1995, a Astronomia registrou a descoberta de 400 novos planetas, pertencentes a outros sistemas planetários, muito além deste do qual fazemos parte. Na conferência anual da Sociedade Astronômica Norte-Americana, em cada descoberta, envolvendo os planetas de fora do nosso Sistema Solar (exoplanetas), apontam para a mesma conclusão: orbes, como a Terra, são, provavelmente, abundantes, apesar do violento Universo de estrelas explosivas, buracos negros esmagadores e galáxias em colisão.

O fato é que estamos na Terra, um dos nove planetas do Sistema Solar. Embora pese mais de 6 sextilhões de toneladas e apresente uma superfície de 510 milhões de quilômetros quadrados, nem por isso é o maior destes planetas que giram ao redor do Sol. Júpiter, por exemplo, lhe é 1.300 vezes maior. Sobre este planeta, Kardec escreveu que "muitos Espíritos, que animaram pessoas conhecidas na Terra, disseram estar reencarnados em Júpiter" (4)

James Jeans, um dos maiores astrônomos do nosso século, afirma, no livro The Universe Around Us (o Universo em volta de nós) que: o número de sistemas planetários, em todo o Espaço, é inimaginavelmente grande. Bilhões deles podem constituir réplicas, quase exatas, de nosso sistema Solar, e milhões de planetas podem constituir outras réplicas, quase exatas, da Terra. Ora, por que só existiria vida aqui no orbe, um planeta que tem um volume de 1.300.000 vezes menor que Júpiter; que dista da lua aproximadamente de 380.000 quilômetros. "Marte, está distante de nós (na Terra) cerca de 56.000.000 de quilômetros, na época de sua maior aproximação; Capela é 5.800 vezes maior que nosso [planetinha]; Canópus tem um brilho oitenta vezes superior ao Sol". (5) Há estrelas tão brilhantes, cuja luz tem uma intensidade 1 milhão de vezes maior do que a luminosidade solar.

O Sistema Solar possui 9 planetas com 57 satélites. No total, são 68 corpos celestes. E, para que tenhamos noção de sua insignificância, diante do restante do Universo, "nosso Sistema compõe um minúsculo espaço da pequena da Via Láctea" (6), ou seja, um aglomerado de, aproximadamente, 100 bilhões de estrelas, com, pelo menos, cem milhões de planetas, que, segundo Carl Seagan, no mínimo, 100 mil deles com vida inteligente e mil com civilizações mais evoluídas que a nossa. (7)

As últimas observações do telescópio Hubble (em órbita), elevaram o número de galáxias conhecidas. Sabe-se, hoje em dia, existirem, pelo Universo observável, pelo menos, 10 bilhões de galáxias. Em 1991, em Greenwich, na Inglaterra, o observatório localizou um quasar (possível ninho de galáxias) com a luminosidade correspondente a 1 quatrilhão de sóis [isso mesmo, 1 quadrilhão!]. Acreditar que somente a Terra tenha vida é supor que todo esse imensurável Universo tenha sido criado sem utilidade alguma, e seria uma impossibilidade matemática que, num Universo tão inimaginável, não se tivesse desenvolvido vida inteligente, senão neste pequeno planeta. Aliás, seria um incompreensível desperdício de espaço.

Concretamente, a Terra é, sem dúvida, o "único" local habitado que sabemos com certeza ter vida, pois, afinal, estamos aqui. No entanto, as provas materiais, da possibilidade fortíssima de haver vida em muitos outros lugares, estão em todo lugar: Astrônomos descobriram sinais de matéria orgânica em outro planeta; meteoros caem, aos montes, com vários compostos orgânicos essenciais à vida, sendo, talvez, o mais famoso deles o meteorito de Murchison; e, nem precisando ir tão longe, a Terra, mesmo, mostra-nos que a vida existe, também, nos locais mais inóspitos e surpreendentes e sob as condições mais hostis, como se vê no caso das formas de vida extremófilas, presentes em ambientes extremos, como gêiseres, mares polares frios e lagos altamente salinos.

Segundo Allan Kardec , "repugna à razão crer que esses inumeráveis globos que circulam no espaço não são senão massas inertes e improdutivas."(8) A Ciência vem descobrindo, incessantemente, planetas situados em outros sistemas estelares. No campo das pesquisas científicas "o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrarem estar em erro, acerca de um ponto qualquer, ele se modificará nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará." (9)

A proposição kardequiana, da pluralidade dos mundos habitados, continua tão atual quanto na data de sua publicação. Portanto, o Espiritismo corrobora com a tese da existência de vida fora da Terra. Destaque-se que, antes que a ciência humana e as religiões tradicionais admitissem essa possibilidade, os Espíritos revelaram, na questão 55, de O Livro dos Espíritos, "que são habitados todos os mundos que giram no espaço e que a Terra está muito longe de ser o único planeta que asila vida inteligente". (10)

A propósito, o Espírito Emmanuel confirma que, "nos mapas zodiacais, observa-se, desenhada, uma grande estrela na Constelação do Cocheiro, que recebeu, na Terra, o nome de Cabra ou Capela. Magnífico sol entre os astros que nos são mais vizinhos, ela, na sua trajetória pelo Infinito, faz-se acompanhar, igualmente, da sua família de mundos, cantando as glórias divinas do Ilimitado. A sua luz gasta cerca de 42 anos para chegar à face da Terra, considerando-se, desse modo, a regular distância existente entre a Capela e o nosso planeta. Há muitos milênios, um dos orbes da Capela, que guarda muitas afinidades com o globo terrestre, atingira a culminância de um dos seus extraordinários ciclos evolutivos."(11)

Reafirma, ainda, Emmanuel que "alguns milhões de Espíritos rebeldes lá existiam, no caminho da evolução geral, dificultando a consolidação das penosas conquistas daqueles povos cheios de piedade e virtudes, mas uma ação de saneamento geral os alijaria daquela humanidade, que fizera jus à concórdia perpétua, para a edificação dos seus elevados trabalhos As grandes comunidades espirituais, diretoras do Cosmos, deliberam, então, localizar aquelas entidades, que se tornaram pertinazes no crime, aqui na Terra longínqua, onde aprenderiam a realizar, na dor e nos trabalhos penosos do seu ambiente, as grandes conquistas do coração e impulsionando, simultaneamente, o progresso dos seus irmãos inferiores." (12)

Aqueles seres, explica o mentor de Chico Xavier: "angustiados e aflitos, que deixavam, atrás de si, todo um mundo de afetos, não obstante os seus corações empedernidos na prática do mal, seriam degredados na face obscura do planeta terrestre; andariam desprezados na noite dos milênios da saudade e da amargura; reencarnariam no seio das raças ignorantes e primitivas, a lembrarem o paraíso perdido nos firmamentos distantes. Por muitos séculos, não veriam a suave luz da Capela, mas trabalhariam na Terra acariciados por Jesus e confortados na sua imensa misericórdia."(13) Sobre isso Agostinho afirmou no século XIX que "não avançar é recuar, e, se o espirito não se houver firmado bastante na senda do bem, pode recair nos mundos de expiação, onde, então, novas e mais terríveis provas o aguardam".(14)


Jorge Hessen
E-Mail: jorgehessen@gmail.com
Site: http://jorgehessen.net
Blog: http://jorgehessenestudandoespiritismo.blogspot.com



FONTES:

(1) Cf. João 14:2
(2) A sede do observatório do Vaticano se localiza em Castelgandolfo, cidade próxima de Roma, onde fica situado o palácio de verão do papa, desde 1935. O interesse dos pontífices pela astronomia surgiu com o papa Gregório 13, que promoveu a reforma do calendário em 1582, dividindo o ano em 365 dias e 12 meses e introduzindo os anos bissextos.
(3) Disponível em http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/0,,MUL468362-5603,00-VATICANO+ADMITE+QUE+PODE+HAVER+VIDA+FORA+DA+TERRA.html, acessado em 18-01-10
(4) Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 2001, Cap. IV - Pluralidade das Existências / Item III - (Encarnação nos Diferentes Mundos)
(5) XAVIER, Francisco Cândido. Roteiro, ditado pelo Espírito Emmanuel. Rio de Janeiro: FEB, 1994, Cap. 1.
(6) As últimas observações do telescópio Hubble (em órbita), mostram o número de galáxias conhecidas de 50 milhões.
(7) Em 1991, em Greenwich, na Inglaterra, o observatório localizou um quasar (possível ninho de galáxias) com a luminosidade correspondente a um quatrilhão de sóis.
(8) Allan Kardec, esposava a mesma idéia. Em 1858, escreveu em A Revista Espírita
(9) Kardec, Allan. A Gênese, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 2001, cap. I
(10) Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 2001, perg. 55
(11) XAVIER, Francisco Cândido. A Caminho da Luz, ditado pelo Espírito Emmanuel. Rio de Janeiro: FEB, 1994
(12) idem
(13) idem
(14) Kardec, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 2001, cap. III

sexta-feira, 17 de junho de 2011

KARDEC E O RACISMO

Não fales e nem escrevas
Algo que fira ou degrade;
Racismo é uma chaga aberta
No corpo da Humanidade

(Cornélio Pires) (1)


O racismo (2) é um tema pouco abordado nas hostes doutrinárias. A bibliografia é escassa. Os escritores e estudiosos espíritas brasileiros ainda não se debruçaram com maior profundidade sobre o assunto. Para alguns, as poucas análises sobre a questão do segregacionismo e da escravidão do negro, no Espiritismo deixam transparecer as influências da teoria arianista (3), da visão positivista e idealista da história, desconsiderando os fatos nos seus relativismos e contradições.

Para a investigação kardequiana, a respeito do negro, torna-se necessário ser considerado o contexto histórico em que foi discutida a temática. Incidiria em erro, sob o ponto de vista histórico, considerar Allan Kardec contaminado de preconceitos ou de índole racista. Essa palavra detém uma carga semântica muito forte, inadequada para definir os ideais do mestre lionês. Não há nenhum indício de que ele tenha discriminado algum indivíduo ou grupo de origem negra ou quaisquer indivíduos, seja no movimento espírita ou fora dele. A jornalista Dora Incontri, com mestrado e doutorado em Educação, pela USP, em seu livro Para entender Kardec nos traz um fato interessante que muito bem nos dará uma ideia de quem era o senhor Rivail. Vejamos: "É bom lembrar que, na Sociedade de Estudos Espíritas de Paris, havia um Camille Flammarion, astrônomo, e um calceteiro (operário braçal que fazia as calçadas de Paris, de quem Kardec noticia a morte) e ambos eram membros da Sociedade". (4)

Os contraditores de Kardec se valem de textos insertos na Revista Espírita e principalmente em Obras Póstumas, 1ª parte, capítulo IX, referente à "Teoria da Beleza". A rigor não consideramos essa teoria um ponto doutrinário e muito menos consta das Obras Básicas. Trata-se de uma pesquisa de Kardec que não chegou a publicá-la. Veio a público após o seu desencarne, quando algumas anotações deixadas foram reunidas no livro citado, donde se infere que aquele pensamento ainda não estava perfeitamente consolidado.


A frenologia, por exemplo, advogava uma relação entre a inteligência e a força dos instintos

Por justeza de razões importa lembrar que Kardec não compilou o Espiritismo em seu próprio nome. Ele apresentou-nos a Doutrina como sendo dos Espíritos. Destarte, urge se faça distinção entre o que revelaram os Benfeitores Espirituais sob o princípio do consenso universal dos Espíritos e o que escreveu e pensava particularmente Kardec, inclusive na Revista Espírita.




No bojo da literatura basilar da Terceira Revelação, o Codificador ressalta que "na reencarnação desaparecem os preconceitos de raças e de castas, pois o mesmo Espírito pode tornar a nascer rico ou pobre, capitalista ou proletário, chefe ou subordinado, livre ou escravo, homem ou mulher. Se, pois, a reencarnação funda numa lei da Natureza o princípio da fraternidade universal, também funda na mesma lei o da igualdade dos direitos sociais e, por conseguinte, o da liberdade". (5)

Ante os ditames da pluralidade das existências, ainda segundo Kardec "enfraquecem-se os preconceitos de raça, os povos entram a considerar-se membros de uma grande família". (6)

Como se observa, essas ideias descaracterizam radicalmente um Kardec preconceituoso. Entretanto, apesar da atitude (para alguns preconceituosas) atribuída a Kardec em relação ao negro, fruto do contexto em que viveu (repetimos) sobre discriminação e preconceito a determinada etnia, sua obra sai indene de todas as críticas no sentido ético. Até porque para abordagem do tema é imprescindível contextualizá-lo, considerando-se as teorias de superioridade racial muito em voga na época.

A frenologia, por exemplo, advogava uma relação entre a inteligência e a força dos instintos em um indivíduo com suas proporções cranianas, em uma espécie de "desdobramento" pseudocientífico da fisiognomonia.

Se não é a diferença da evolução espiritual, então, que é que torna os homens desiguais?

Num artigo na Revista Espírita de abril de 1862, "Frenologia espiritualista e espírita - Perfectibilidade da raça negra", Kardec faz uma espécie de releitura dessa "ciência" com um enfoque espiritualista, demonstrando que o "atraso" dos negros não se deveria a causas biológicas, mas pelo fato de serem seus Espíritos encarnados ainda relativamente jovens. (7)

Indagamos: existem povos mais adiantados que outros? É possível desconhecer a discrepância entre silvícolas e citadinos? Se não é a diferença da evolução espiritual, então, que é que os torna desiguais?

É evidente que podemos adequar as terminologias para culturas "complexas ou simples" no lugar de "avançado ou atrasados", o que na essência não altera a situação de ambos. Sabemos também – e isso é incontestável – que a antropologia e a sociologia surgem eurocêntricas. E a antropologia foi uma espécie de sociologia criada para estudar os povos primitivos. (8) Contudo, a Doutrina Espírita tem mais amplitude do que toda essa questão.

Para nós "não há muitas espécies de homens, há tão-somente indivíduos cujos Espíritos estão mais ou menos atrasados, porém todos suscetíveis de progredir pela reencarnação. Não é este princípio mais conforme à justiça de Deus?" (9)

No livro Renúncia, monumental obra da literatura mediúnica, identificamos um trecho que nos chamou a atenção para reflexão sobre o assunto. Robbie, filho de escravos e irmão adotivo de Alcíone, ao desencarnar disse-lhe "desde que mandei os gendarmes (10) libertar o cocheiro, por entender que me cabia a culpa (...) sinto que não tenho mais a pele negra, que tenho a mão e a perna curadas (...) veja Alcíone (...) e esta lhe explica: São estas as provas redentoras, meu querido Robbie! Deus te restituiu a saúde da alma, por te considerar novamente digno". (11) Dá para imaginar o Espírito Alcíone racista? E por que teriam os negros sofrido tanto com a escravidão?

Jesus, ante os olhos do homem, é o maior arquétipo da perfeição que um Espírito pode alcançar

Segundo Humberto de Campos os escravos seriam "os antigos batalhadores das cruzadas, senhores feudais da Idade Média, padres e inquisidores, Espíritos rebeldes e revoltados, perdidos nos caminhos cheios da treva das suas consciências polutas". (12)

A concepção de que o homem possa encarnar na condição de branco, negro, mulato ou índio estabelece uma ruptura com o preconceito e a discriminação raciais. Não esqueçamos, porém, que na Grã-Bretanha, ainda hoje, muitos adeptos do Neo-espiritualismo rejeitam a tese da reencarnação, por não admitirem a possibilidade de terem tido encarnações em posições inferiores quanto à raça e à condição social.

Com essa visão, um Espírito, reencarnado num corpo de origem negra, estará sujeito à discriminação e isso lhe será uma condição, uma contingência evolutiva a ser superada. Para uns pode ser uma expiação, para outros uma missão. Com os princípios espíritas se "apaga naturalmente toda a distinção estabelecida entre os homens segundo as vantagens corpóreas e mundanas, sobre as quais o orgulho fundou castas e os estúpidos preconceitos de cor". (13)

Como se observa, uma doutrina libertária, como o Espiritismo, não compactua, sob quaisquer pretextos, com nenhuma ideologia que vise à discriminação étnica entre os grupos sociais.

A verdade é que nos grandes debates de cunho sociológico, antropológico, filosófico, psicológico etc., o Espiritismo provocará a maior revolução histórica no pensamento humano, conforme está inscrito nas questões 798 e 799 de O Livro dos Espíritos, sobretudo quando ocupar o lugar que lhe é devido na cultura e conhecimento humanos, pois seus preceitos morais advertirão os homens da urgente solidariedade que os há de unir como irmãos, apontando, por sua vez, que o progresso intelecto-moral na vida de todos os Espíritos é lei universal e tendo por modelo Jesus, que, ante os olhos do homem, é o maior arquétipo da perfeição que um Espírito pode alcançar. (14)

Fontes:

1. Xavier, Francisco Cândido. Caminhos da Vida, Ditada pelo Espírito Cornélio Pires, São Paulo: Ed. CEU, 1996.

2. O racismo, segundo a acepção do "Novo Dicionário Aurélio" é "a doutrina que sustenta a superioridade de certas raças". O Conde de Gobineau foi o principal teórico das teorias racistas. Sua obra, "Ensaio Sobre a Desigualdade das Raças Humanas" (1855), lançou as bases da teoria arianista, que considera a raça branca como a única pura e superior às demais, tomada como fundamento filosófico pelos nazistas, adeptos do pangermanismo.

3. Entre os teóricos do racismo alemão, dizia-se dos europeus de raça supostamente pura, descendentes dos árias.

4. Incontri, Dora. Para Entender Kardec, Grandes Questões, São Paulo: Publicações Lachâtre, 2001.

5. Kardec, Allan. A Gênese, Rio de Janeiro: Editora FEB, 2002, pág. 31.

6. Idem págs. 415-416.

7. Kardec, Allan. Revista Espírita de abril de 1862.

8. Primitivo era todo aquele povo que não havia chegado ao grau de cultura e tecnologia do europeu. Sem dúvida que era uma visão do europeu da época, que considerava os negros e os latinos selvagens.

9. Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, texto escrito por Allan Kardec, e Constitui o Capítulo V, item 6º, Rio de Janeiro: Editora FEB, 2001.

10. Soldado da força incumbida de velar pela segurança e ordem pública, na França.

11. Xavier, Francisco Cândido. Renúncia, 7ª ed. Ditado pelo Espírito Emmanuel, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1973, pg. 412.

12. Xavier, Francisco Cândido. Brasil, Coração do Mundo Pátria do Evangelho, Ditado pelo Espírito Humberto de Campos, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1980.

13. Kardec, Allan. Revista Espírita de abril de 1861, 297-298.

14. Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, Rio de Janeiro: Editora FEB, 2003, parte 3ª, q. 798 e 799, cap. VIII item VI - Influência do Espiritismo no Progresso.

Nota da Redação:

Sugerimos ao leitor que leia sobre o assunto o editorial da edição 213, disponível em http://www.oconsolador.com.br/ano5/213/editorial.html, bem como o texto contido na seção O Espiritismo Responde publicado na edição 68, de 10/8/2008, disponível em http://www.oconsolador.com.br/ano2/68/oespiritismoresponde.html.

ESPÍRITA-CRISTÃO DEVE SER O CLARO OBJETIVO DE NOSSA INSTITUIÇÃO



Sabemos que Espiritismo tem por finalidade a nossa reforma íntima, porém, percebemos que, no Movimento Espírita brasileiro, coexistem interpretações diferentes sobre a rota segura de se lograr esse escopo. Não há dúvida de que essas diferenças fazem parte do processo, porém, precisamos estar atentos ao lidar com as divergências das práticas, considerando-se os múltiplos níveis de consciência.
É compreensível que confrades intelectualizados, ainda, não moralizados, ao ingressarem nas hostes espíritas, imponham seus pontos de vista, “racionalmente”, diversas vezes, em confronto com a Codificação. Porém, como o Espiritismo está muito acima das ilações academicistas, as discrepâncias metodológicas não chegam a afetar a Doutrina em si, em seu contexto já consolidado. Todavia, costumam gerar alguns óbices ao Movimento, que a superioridade das boas práticas doutrinárias culminará por superar, com o tempo, esses embaraços.
Observamos diversas vezes, entre os adeptos do Espiritismo, um comportamento encharcado de misticismos, profundamente clerical, na maneira de interpretar e de praticar a Doutrina Espírita. Essa postura inadequada tem gerado problemas complicados de serem contornados no seio do Movimento Espírita, como a ritualização de práticas bizarras, abuso de poder nas hierarquias das diretorias de Centros Espíritas, e outras dificuldades que desequilibram todo um conjunto.
Experimentamos uma conjuntura de difíceis transformações, pois o povo brasileiro herdou uma péssima educação religiosa ancestral. Bom seria se os cônscios adeptos do Espiritismo conseguissem extirpar, definitivamente, esse mal progressivo que acarreta prejuízo ao Movimento Espírita.
A visão contemplativo-religiosa da Doutrina, ainda, coloca-se como prioritária, para, supostamente, atender, mais de imediato, os sofrimentos morais, econômicos, sociais, emocionais, que açoitam a sociedade contemporânea. A visão de um Espiritismo sob o ângulo cientificista é compreensível, somente, para aqueles confrades de formação acadêmica e que se dedicam a eventuais experiências para, apenas, reconfirmarem os fatos que, desde o mestre lionês, já foram sobejamente provados.
Todavia, ao invés da ritualística mística, que tem minado o edifício doutrinário, e avesso aos embates extremos cientificistas que cristalizam o sentimento, cremos que o razoável será a entronização dos conceitos filosóficos doutrinários, ensejando, desse modo, um comportamento ético-moral saudável, no qual a conseqüência religiosa será inevitável, porém, distante das fórmulas que identificam as religiões utilitaristas, apresentando-se como seitas que já estão, de há muito tempo, superadas.
A Doutrina Espírita é pura e incorruptível. Porém, o Movimento Espírita, ou seja, a organização dos homens para praticá-la e divulgá-la é suscetível dos mesmos graves prejuízos que dificultaram a ação do cristianismo tradicional, hoje bastante fracionado. Por muitas e justas razões, devemos ficar atentos aos que se tornam líderes esquisitos e esdrúxulos, com comportamentos alienados, procurando apresentar propostas de exaltação do seu ego e gerando, à sua volta, uma mística que, infelizmente, vem desaguando em determinadas posturas, absolutamente incompatíveis com o Espiritismo.
Conhecemos práticas estranhíssimas ao Projeto Espírita, a saber: dirigentes promovendo casamentos, crismas, batizados, velórios (tudo no salão de palestras), além das sempre “justificadas” rifas e tômbolas nos Centros, festival da caridade, tribuna para a propaganda político-partidária, preces cantadas, etc. Isso, sem nos aprofundarmos nos inoportunos trabalhos de passes com bocejos, toques, ofegações, choques anímicos (?), estalação dos dedos, palmas, diagnósticos pela “vidência": sobre doenças e obsessões, apometrias, desobsessão por corrente magnética, etc.
Preservar, portanto, o trabalho de divulgação doutrinária, corretamente, sem os infelizes desvios que se observam em alguns setores do nosso Movimento, é dever que devemos impor a nós mesmos, ou seja, fidelidade aos preceitos Espíritas.
O mestre lionês sempre preconizou a unidade doutrinária. Não há o menor espaço para compor com outras idéias que não sejam, ou convergentes e em uníssono com as suas, ou reflexos resplandecentes delas. Unidade doutrinária foi a única e derradeira divisa de Allan Kardec, por ser a fortaleza inexpugnável do Espiritismo. Por isso, necessita ser o nosso lema, o nosso norte, a nossa bandeira. A via mais segura, para esse desiderato, é a do esclarecimento, do estudo, do convencimento pela razão e pelo amor, jamais pelos anátemas, óbvio!...
Para os mais radicais, a pureza doutrinária é a defesa intransigente dos postulados espíritas, sem maior observância das normas evangélicas; para os não menos extremistas, é a rígida igualdade de tipos de comportamento, sem a devida consideração aos níveis diferenciados de evolução em que estagiam as pessoas. Á rigor, os espíritas não são proibidos de coisa alguma, mas precisam saber que devem arcar com a responsabilidade de todos os atos, conscientes do desequilíbrio que possam praticar. Que terão que reconstruir o que destruírem e responderão pelo mal praticado e harmonizarão o que desarmonizarem. É da Lei de Causa e Efeito!
Portanto, do exposto, reafirmamos que espírita-cristã deve ser a nossa conduta, ainda mesmo que estejamos em duras experiências. Espírita-cristão deve ser o nome do nosso nome, ainda mesmo que respiremos em aflitivos combates íntimos. Espírita-cristão deve ser o claro objetivo de nossa instituição, ainda mesmo que, por isso, nos faltem as passageiras subvenções e honrarias terrestres, consoante nos ensinam os Espíritos superiores.

Jorge Hessen
Site http://jorgehessen.net
email jorgehessen@gmail.

terça-feira, 14 de junho de 2011

CHICO XAVIER RESPONDE



José Passini
Juiz de Fora
passinijose@yahoo.com.br

Na apresentação dessa obra, o médium Carlos A. Baccelli diz que “na condição de espírita e médium, me senti no dever de dar-lhe publicidade, deixando a sua apreciação e análise, no que tange à autenticidade e valor, a quantos se considerem mais habilitados para tanto.”
Não nos consideramos mais habilitado, mas a examinamos não só pelo o direito de exame que nos confere a Doutrina, mas também no cumprimento do dever de contribuir para que o Espiritismo continue a ser essa fonte confiável de informação, de esclarecimento e de equilíbrio.
As obras mediúnicas quase sempre contêm um prefácio explicativo que informa o leitor como elas foram produzidas. Nesse livro não há informação de como se teria processado esse inusitado diálogo: se o médium desdobrou-se e foi à esfera habitada pelo Chico; se este veio até ele para ser entrevistado como se fora um encarnado, ou se veio para uma comunicação psicográfica.
Mas, logo à primeira resposta, tem-se a impressão de que se trata de psicografia, exercitada em forma de diálogo, no qual o médium, teria psicografado as respostas, sem dizer como foram feitas as perguntas. Transcreveremos em negrito os trechos da obra, colocando entre parênteses o número da página e, em seguida, faremos nossos comentários:
Mas você não era Allan Kardec reencarnado? — E quem vocês pensam que era Allan Kardec? (9)
Nós temos a inabalável certeza de que Allan Kardec se coloca entre os grandes benfeitores da Humanidade, mas igual certeza temos de que não viria ele comunicar-se, usando do seu precioso tempo e do tempo de um médium para uma conversa informal, sem conteúdo, banal, muito distante das sábias páginas que nos deixou na Codificação. Seria o mesmo que Michelangelo gastando seu tempo em modelar toscas figuras de barro para exibi-las numa feira.
— Com a desencarnação, a linguagem do espírito pode sofrer alguma mudança? — A linguagem, sim; o pensamento, não. Com o passar do tempo e de acordo com o instrumento mediúnico através do qual se manifesta, o espírito não mais se prende a certas peculiaridades que o identificam do ponto de vista do estilo. (10)
A afirmativa acima parece-nos uma justificativa para o distanciamento do estilo desse Espírito do estilo de Kardec e de Chico. Emmanuel e André Luiz, para não citarmos outros, comunicaram-se durante décadas pelo Chico, conservando o mesmo estilo, fato constatável até mesmo por pessoas não afeitas à literatura. Além disso, o estilo de André Luiz não se modificava quando escrevia por Waldo Vieira.
— O que teria a dizer aos que afirmam que André Luiz fez literatura de ficção? — Que a ficção sempre se antecipa à realidade. (28)
Ao responder que a ficção se antecipa à realidade, esse Espírito está afirmando que a obra de André Luiz é ficção. E qual seria a realidade que a sucederia? Estaria justificando as obras atribuídas ao Dr. Inácio Ferreira, essas que trazem pretensas revelações, em linguagem vulgar, zombeteira, agressiva, bem distante daquela usada portodos os Espíritos que escreveram pelo Chico? A obra de André Luiz, recebida através da mediunidade missionária de Francisco Cândido Xavier, é um verdadeiro desdobramento da Codificação. É através dessa série de livros que pode ser vista a aplicação prática – tanto no Plano Físico, quanto no Espiritual – das teses contidas nas obras de Kardec. Para se avaliar a magnitude da obra de André Luiz, atentemos às palavras do Irmão Jacob, no livro “Voltei” (22), que transcreve o que ouviu do Espírito que supervisionava o exercício mediúnico de Chico Xavier, ao se referir à tarefa atribuída ao autor de “Nosso Lar”: “(...) Além disto, o esforço dele é impessoal e reflete a cooperação indireta de muitos benfeitores que respiram em esferas mais elevadas.” Como poderia o Chico, agora, admitir que foi uma ficção antecipando-se à realidade?
— O que diria aos que se consideram donos da verdade? — Diria que nem Jesus quis defini-la. (28)
O Movimento Espírita tem sofrido ataques constantes através de uma literatura que, pretendendo ser moderna, inovadora, reveladora, tacha de “donos da verdade” os espíritas sérios, zelosos pela preservação da sobriedade, da nobreza e da dignidade da linguagem do que se publica em nome da Doutrina.
Deixando de lado esse posicionamento falacioso da pergunta, atente-se para a pobreza e a para a
desconexão da resposta colocada na boca do Chico.
— Presentemente, onde se encontraria Amélie Boudet? — Em dimensão Espiritual Superior. (29)
Resposta óbvia, a uma pergunta sem sentido, no caso de um Espírito como Amélie Boudet.
— E quem foi Hippolyte-Léon Denizard Rivail? — Alguém que, não fossem os Espíritos, teria vivido no mais completo anonimato; um homem comum, como tantos outros que vivem esquecidos dos homens... (45)
Como poderia ter ficado no anonimato o emérito educador que, já aos 27 anos, fora premiado pela
Academia de Arrás pela sua proposta de reforma dos estudos clássicos, tendo publicado obras sobre variados ramos de estudos, sempre visando ao aprimoramento dos processos de educação? Seria um homem comum, esquecido dos homens? Note-se o que dizem Zeus Wantuil e Francisco Thiesen, na sua excelente obra “Allan Kardec”, cap. 37, intitulado “Fertilidade Pedagógica”, que finaliza com estas palavras: Nos planos e projetos apresentados aos membros do Parlamento, às Comissões encarregadas da reforma do ensino e à Universidade, nota-se que o autor se adiantara de muitos anos aos processos pedagógicos então em voga, aproximando-se, em diversos pontos, da “escola ativa”.
Aqui fica muito clara a intenção desse Espírito de tentar diminuir a estatura intelectual do Codificador.
— Por que Allan Kardec não teve filhos? — Ele era estéril. (45)
Na obra “Na Próxima Dimensão” o Espírito que se faz passar pelo insigne Dr. Inácio Ferreira diz o seguinte: (...) o casal havia renunciado a qualquer tipo de convivência mais íntima na esfera sexual, para devotar-se aos valores do espírito, e, tanto assim que ambos não geraram herdeiros diretos (...) (56).
Parece que o “Dr. Inácio” ainda não se havia informado corretamente no Mundo Espiritual, ou será que esse que se apresenta como Chico está equivocado?
— Hoje, você se sente mais Chico Xavier ou Allan Kardec? — Ainda me sinto mais Chico Xavier. — Mas qual prefere sentir? — Ser Chico me agrada mais... — Por quê? — Está mais de acordo com o que me sinto ser. — Faltava um pouco de Chico a Kardec ou de Kardec a Chico? — Creio que de Chico a Kardec. (47/48)
Mesmo que fosse verdadeira essa tese absurda, vê-se claramente que Chico Xavier não teria tanta falta de bom-senso a ponto de pôr mais lenha nessa fogueira que o “Dr. Inácio” reacendeu, em ação própria de Espíritos que querem desviar do estudo sério e do trabalho edificante as pessoas que se dedicam à Doutrina. Uma resposta como essa é a mais evidente negação da identidade de Chico Xavier, que sempre primou pela prudência, pelo equilíbrio, nunca entrando em discussões dessa natureza. Além do mais, vê-se outra tentativa de diminuir a figura do insigne Codificador.
— É natural, então, que, na atualidade, exista mais do médium na mediunidade do que da mediunidade no médium? — Sim, é natural, mas quem não possui bom senso não alcança esta compreensão. (79)
Depois de todas as admiráveis lições sobre mediunidade veiculadas através do Chico, num verdadeiro desdobramento de “O Livro dos Médiuns”, é possível se acredite possa ele agora participar de um diálogo tão primário e sem sentido como este?
Bem, pelo mesmo médium, no livro “Do Outro Lado do Espelho”, o “Dr. Inácio” faz a seguinte afirmação, referindo-se aos médiuns: – Nós, os consideramos mortos, em matéria de mediunidade temos que nos contentar com percentagem: 30% nossos, 70% do médium... Quando, pelo menos, são 50% para cada lado, vá lá... Raro o médium que nos permite o empate. Isso sem falarmos nos médiuns que vivem colocando palavras inteiramente suas em nossos lábios: é um tal de termos dito, sem termos dito nada... (...) Os médiuns hoje querem improvisar...Quanta mistificação!... (160)
Esse Espírito que se intitula “Dr. Inácio” vem, ao longo de suas obras, fazendo uma terrível campanha de descrédito à mediunidade, ironicamente usando um médium para tal cometimento.
— Como médium, Chico, na recepção das mensagens ditas particulares, você necessitava de um contato prévio com os familiares encarnados do espírito comunicante? —Ainda que fosse mínimo. — Com qual objetivo? — De estabelecer sintonia, facilitando o mecanismo que se coloca em funcionamento no diálogo que se estabelece entre encarnados e desencarnados. (70/71)
Esse Espírito sagaz vagarosamente vai ganhando a confiança do leitor para, repentinamente, dar um golpe dessa natureza, em que procura desmerecer a mediunidade de Chico Xavier, tentando igualá-la à de médiuns que agem dessa forma. Infelizmente, há exemplos concretos de médiuns que procuram inteirar-se de dados de familiares candidatos ao recebimento de mensagens, o que é verdadeiramente incompreensível num trabalho mediúnico sério. Presenciamos várias vezes em Pedro Leopoldo e em Uberaba, durante reuniões públicas, pessoas serem colhidas de surpresa, ao receberem mensagens de parentes desencarnados, quase desmaiando de emoção, pelo fato de ainda estarem esperando para terem um primeiro contato pessoal com o médium, quando lhes chegava a mensagem rica em detalhes particulares. Essa resposta, atribuída ao Chico, tem a finalidade exclusiva de diminuir o valor de sua obra consoladora, tentando nivelar tudo por baixo!
— Os médiuns devem consentir que a Ciência os investigue? — A Ciência materialista, não. Os métodos científicos com os quais se pretende investigar a autenticidade do fenômeno mediúnico não logram aferi-los subjetivamente. (72)
A Ciência materialista nunca iria investigar a autenticidade do fenômeno mediúnico aferindo-o subjetivamente. Além do mais, não era essa a posição do Chico – de furtar-se à pesquisa – enquanto encarnado. Ele nunca se esquivou, à investigação promovida por quem quer que fosse. Dentre as várias vezes que se submeteu a investigações, cite-se o seu encontro com Agripino Grieco, na União Espírita Mineira. Ali o famoso crítico literário pesquisou à vontade a sua psicografia, em memorável reunião em que se comunicou o Espírito Humberto de Campos.
— Os espíritos, por si mesmos, podem produzir fenômenos? — Quanto mais intelectual a natureza do fenômeno, mais se impõe a necessidade da participação do médium. (75)
O médium declara publicamente que Chico foi a reencarnação de Kardec. Como, então, faz ele essa pergunta ao Codificador? Seria o caso de ele dizer que a resposta já foi dada há mais de um século, nas obras da Codificação. Além do mais, o que seria fenômeno intelectual? Seria psicofonia ou psicografia, em oposição a materialização? Depreende-se daí que quanto mais material é o fenômeno, menos é necessária a participação de um médium. Teria essa afirmativa a finalidade de justificar um caso de materialização sem o concurso de um médium, como foi apresentado na obra “Por Amor ao Ideal” (282/6)? Ali é afirmado que Edgar Alan Poe materializou-se sozinho. O ectoplasma usado para a produção do fenômeno teria sido retirado por ele próprio do cadáver de um bêbado, no cemitério, de onde teria caminhado até o consultório do Dr. Inácio.
— Certa vez, Emmanuel lhe disse que “não se tira nada de nada”... Que quer dizer? — Em seu contato com os homens, o conteúdo do espírito se subordina ao conteúdo do médium.
Entendendo-se essa estranha expressão “conteúdo do espírito” como significando “cabedal evolutivo”, fica difícil entender essa subordinação do espírito aos conhecimentos do médium. Será que o “conteúdo” dos Espíritos que dialogaram com Kardec se subordinava ao das jovens Boudin?
— Como interpretarmos a verdadeira avalanche de livros espíritas que têm sido publicados? — Os espíritos, quanto os homens, têm o direito de apresentar o fruto de suas reflexões sobre a Vida além da morte. Cabe aos leitores avaliar a qualidade das obras editadas. (76)
Interessante notar que o “Dr. Inácio”, por esse mesmo médium, revela posição oposta, pois chegou a dar banana, não só na palavra, como também no gesto, para os espíritas que lhe criticaram a obra “Fundação Emmanuel” (135)
— Você é contra ou a favor do abortamento, em casos em que o feto esteja se desenvolvendo sem cérebro? — Creio que o assunto seja pertinente ao livre arbítrio dos genitores, especialmente ao da mãe, mas, qual o significado se levar a termo uma gestação que, com os modernos recursos da Medicina, já se sabe de antemão comprometida do ponto de vista genético? Não seria penalizar, desnecessariamente, os familiares? — A Medicina, todavia, não pode cometer enganos? — Tudo o que é humano é passível de erro, mas não nos apoiemos em sofismas da inteligência para justificar pontos de vista extremistas que a Doutrina Espírita não defende. — Impedir de o espírito reencarnar-se em um corpo sem cérebro não seria frustrar-lhe a possibilidade de reajuste? — O espírito não reencarna em um corpo sem cérebro. (136/137)
O livro sob análise foi publicado em março de 2007. Nesse mesmo ano, apareceram nos jornais e na Internet casos de sobrevivência de anencéfalos, evidenciando a presença de Espíritos ligados a esses corpos. A Medicina pode detectar a inexistência de um cérebro normal, mas terá condições de detectar algumas células a que um Espírito esteja ligado? Quem pode afirmar que não se trata de caso semelhante àquele intitulado “Gestação Frustrada”, no cap.XIII, 2ª Parte, do livro “Evolução em dois Mundos”, ou seja, o funcionamento de um processo educativo para a mãe? Como interromper o processo, sem o conhecimento real das causas determinantes?
O mesmo posicionamento em relação a anencefalia e ao estupro foi defendido na obra “Fala, Dr. Inácio”. Agora, esse Espírito tenta respaldar-se no nome respeitável de Francisco Cândido Xavier...
— Em caso de estupro, é lícito o abortamento? — Em casos de estupro, a única vontade que deve prevalecer e ser respeitada é a da mulher que foi vítima de semelhante agressão. (140)
Nada foi perguntado a respeito de quem deve decidir sobre o abortamento ou a manutenção da gravidez. Atente-se para a falácia da resposta: ao invés de discutir a licitude do ato, declara o direito da mulher. Esse posicionamento é o mesmo contido na obra “Fala, Dr. Inácio” (128), e em todos os discursos de feministas extremadas que defendem o aborto generalizado.
— O espírito que reencarna através de uma violência sexual que se consumou é inimigo da mãe? — Nem sempre; às vezes, inclusive, pode ser um espírito que tenha com a mãe laços de profunda afinidade espiritual. Nos casos de estupro, como em tantos outros de natureza provacional, há de se levar em consideração a chamada Lei de Compensação Cármica. — O que é a Lei de Compensação Cármica? — É o poder com que Deus facultou a Vida de transformar o Mal em Bem. (141)
Fica difícil entender como alguém que considera um estupro como acontecimento de natureza provacional – e considera essa Lei de Compensação Cármica, que não se sabe de onde foi tirada – admita que a gravidez dele resultante possa ser interrompida sem novas e piores conseqüências.
Alongaríamos excessivamente este trabalho se fôssemos analisar todos os pontos que nos parecem duvidosos na obra. Não podemos comentar tudo, sem escrevermos um outro livro.
Entretanto, alguns pontos devem ser ressaltados:
Francisco Cândido Xavier teve pouca escolaridade na sua última encarnação, mas sempre respondia com sabedoria, segurança e objetividade as perguntas que lhe eram formuladas. Quem o assistiu na televisão, ou leu os diálogos que, em várias ocasiões, ele manteve com jornalistas, deve fazer comparação com a pobreza das respostas que são registradas, em seu nome, na obra ora em análise. Em verdade, certas respostas só poderiam ser pobres, diante da trivialidade das perguntas.
Chico deixou pouca coisa escrita de sua lavra pessoal, mas não há nada que se compare à banalidade disso que está sendo atribuído a ele. Ao longo de sua vida, sua sabedoria foi-se revelando, sobrepondo-se à pouca escolaridade que teve na infância. Ele, como Espírito inteligente, dedicado, além de fazer vir à tona conhecimentos de sua bagagem espiritual, muito se enriqueceu na convivência com os Benfeitores que lhe usavam as faculdades e lhe partilhavam os dias.
Para aqueles que dizem ser ele a reencarnação de Kardec, a situação é mais delicada, pois se admitem que
Chico tinha de ser assistido por Benfeitores Espirituais para responder as perguntas, face à sua pouca escolaridade
na última encarnação, agora, com a memória integral, Chico / Kardec não responderia com profunda sabedoria? .
Se Chico Xavier foi a reencarnação de Kardec, fica difícil conciliar a trivialidade dos assuntos que lhe foram submetidos agora, e algumas respostas evasivas, com a postura do grande educador, sociólogo, teólogo, cientista, humanista, que teve capacidade para inquirir Espíritos Superiores sobre os assuntos pertinentes à Codificação, dialogando com eles, de igual para igual, a fim de codificar a Doutrina Espírita. É também difícil conciliar aquela nobre figura tão bem descrita por Humberto de Campos, no livro “Cartas e Crônicas” (cap. 28),
com essa figura tão disponível para um bate-papo informal, superficial, aqui na face da Terra. Ou seria nos Altos Planos de onde ele saiu para comparecer àquela memorável reunião na noite de 31 de dezembro de 1799? Ou será que o médium foi lá a fim de entrevistá-lo?
Ficam aí, Irmãs e Irmãos, nossas observações, colocando-nos, por nossa vez, à sua disposição para ser analisado.